1. – É correctíssimo dizermos verbo transitivo e verbo intransitivo. Vejamos este exemplo muito simples de verbo transitivo:
A Maria deu o bolo à Joana.
Temos aqui a acção de dar. Esta acção transita, digamos assim, da Maria para a Joana.
Há três seres que intervêm na acção: A Maria, o bolo, a Joana.
Podemos dizer que a acção de dar começa, quando a Maria se dirige para o bolo.
Quando ela pega no bolo e se dirige à Joana para lho dar, diremos que a acção de dar está a ser recebida pelo bolo directamente da Maria. Por isso, chamamos de complemento directo ao elemento o bolo.
Depois, o ser que logo a seguir recebe a acção de dar é a Joana. Mas recebe-a não directamente da Maria, mas indirectamente, isto é, por intermédio do bolo. Por isso se diz que o elemento à Joana é o complemento indirecto de dar.
Peço desculpa desta explicação tão comezinha. Dei-a só para o meu caro Raimundo Correia saber que é a que às vezes damos aos alunos.
Diz-se, pois, que o verbo dar é transitivo, porque há aqui como que uma transição na realização completa do seu significado.
Em gramática portuguesa não é hábito falar-se em contexto transitivo e intransitivo, porque o contexto não transita. Isso é outra coisa, que não é para aqui chamada.
2. – É mais que evidente que, em «foram-se as dúvidas», temos aqui o verbo ir e não o verbo ser. É claro como água que assim pensava, quando escrevi o que lemos na alínea a.
Conclusão: só distracção, ou coisa parecida, me levou a isso, e não ignorância. E devida a quê? Sei lá! A dor ou má disposição devida a doença? Alguém me teria interrompido ou chamado, para isto ou para aquilo, como se costuma dizer? Não sei! Seja lá pelo que for, ninguém de boa fé interpretaria tal deslize como consequência de ignorância.
3. – Quanto à expressão ir-se embora, há quem admita que estamos em presença dum verbo reflexivo, e quem não admita. Estes explicam o caso, afirmando que podemos suprimir o se, dizendo apenas foram embora, como é admitido no Brasil. Aqui, o se é considerado como partícula expletiva.
Em Portugal, também se ouvem frases como esta, sem o pronome, mas com o verbo noutra pessoa. Eis uma frase: Vá! Vamos embora!
Então em que ficamos? É pronome ou partícula expletiva? É partícula expletiva, porque já no português antigo se empregava assim. Aqui vai uma frase demonstrativa, extraída de «Historias d'abreviado testamento velho nos Inéditos portugueses dos séculos XIV e XV» por Fortunato de S. Boaventura, cap. 53:
«(…) e ela foi-se correndo a casa de seu padre (…)».
Para findar, mais dois versos duma cantiga antiquíssima. É de Martin Grijó. É a n.º 876 do Cancioneiro da Vaticânia. Vai com ortografia quase actual:
«Ca m'enviou mandado, que sse vai no fossado;»