Etimologia dos dias da semana, outra vez
É claro que, em face do sistema pagão que impera nas línguas-irmãs e mesmo nas línguas germânicas dos países de cultura cristã, o sistema enumerativo presente nos nomes portugueses dos dias da semana causa certa perplexidade semântica. Creio que será de interesse transcrever algumas passagens do artigo «semana», inserto na velhinha Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que tenho aqui à mão.
«[...] a Igreja, na sua liturgia, baniu os nomes mitológicos, substituindo-os por feria (feria secunda, f. tertia, f. quarta. f. quinta, f. sexta), conservando o sabbatum hebreu. [...] os Judeus concentravam o culto no dia de sábado, mas a Igreja substituiu-o pelo dia seguinte, porque foi neste (prima sabbati, Mat., XXVIII, 1) que Cristo ressuscitado apareceu pela primeira e segunda vez aos apóstolos reunidos no Cenáculo e que, passados 50 dias, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos. O primeiro dia da semana tornou-se assim o dia do Senhor (dies dominica), como já se lê no Apocalipse (I, 10).
[...] O nome litúrgico de feriae aparece pela primeira vez em Tertuliano (De jejunis, c. II). Segundo as lições do Breviário Romano, foi o papa S. Silvestre (314-335) quem o mandou adoptar oficialmente na Igreja. [...] Tal designação não conseguiu dominar nos usos correntes, mesmo em Roma; só na liturgia é que se encontra feria secunda, tertia ...
A razão de ter prevalecido aqui o sistema enumerativo adoptado na liturgia parece dever atribuir-se ao apostolado de S. Martinho de Dume. Entre as usanças pagãs que ele condena no seu livro De correctione rusticorum, vem essa de se nomearem por demónios os dias que Deus fez.
Numa inscrição cristã do ano de 618, encontrada em Braga, já se lê: die secunda feria. Em todas as colecções de documentos de cartórios portugueses desde o século XI, aparece sem excepção o sistema enumerativo. Chegou a atribuir-se a influência moura a adopção deste sistema. Prevalece, todavia, a tese de que ele é de origem puramente eclesiástica.»
