Agradeço desde já o reparo! Embora não concorde com ele, não digo que não venha a mudar de opinião se o estimado consulente não se importar de o aprofundar um pouco mais. Estou sempre pronto a trocar as minhas certezas por outras melhores! Sem debate, este espaço não cumpre a sua função na plenitude.
Desfazendo desde já a sua dúvida, não houve «incauto esquecimento» algum, a opção estilística «vanguardista» foi deliberadamente tomada. Vanguardista ou não, arregimento-me ao lado daqueles que defendem o se como indicador de indeterminação de sujeito, quer com verbos intransitivos, quer com verbos transitivos. Permita-me que transcreva aqui o parecer de João Andrade Peres e Telmo Móia, tirado da obra com o sugestivo título Áreas Críticas da Língua Portuguesa:
«A propósito desta questão, importa notar que alguns puristas admitem apenas as construções em que o clítico se impessoal se combina com verbos intransitivos, rejeitando, pois, frases em que o verbo é transitivo e tem um segundo argumento não preposicionado com que não concorda, como acontece nas seguintes frases:
(817) Ouve-se vários ruídos durante toda a noite.
(818) Recitou-se versos de Pessoa.
(819) Vende-se casas.
Como alternativa a estas estruturas propõem construções passivas de clítico, em que o verbo surge na forma plural:
(820) Ouvem-se vários ruídos durante toda a noite.
(821) Recitaram-se versos de Pessoa.
(822) Vendem-se casas.
Na nossa opinião, ambas as construções são aceitáveis, embora admitamos que se possa preferir uma ou outra por questões estilísticas. A nossa posição resulta da consideração de dois factores: por um lado, a aceitação generalizada por parte dos falantes que o uso do clítico impessoal com verbos transitivos parece ter; por outro lado, o facto de não julgarmos haver razões – estruturais ou semânticas – para aceitar a construção com o clítico impessoal nuns casos e rejeitá-la noutros.»
É também esta a minha opinião. Na situação criticada («dobra-se as consoantes»), a opção pelo se impessoal tem a vantagem de evitar a ambiguidade que resultaria da forma verbal no plural («dobram-se as consoantes» = «as consoantes são dobradas» ou «as consoantes dobram-se a si mesmas»?).