DÚVIDAS

De novo o plural dos nomes próprios

Tendo lido a vossa explicação acerca do plural dos nomes próprios, não pude deixar de confirmar o que dizem Nunes Figueiredo e Gomes Ferreira no Compêndio de Gramática Portuguesa: «os substantivos próprios têm plural quando se referem a membros da mesma família: os Pachecos, os Fonsecas, os Stuarts; ou quando, em vez de se referirem às pessoas, representam as qualidades que as notabilizaram: os Camões; os Alexandres.»
Contudo, na Gramática da Língua Portuguesa de Maria Helena Mira Mateus, que contempla a Nova Terminologia do Português, que há-de entrar em vigor a partir do próximo ano lectivo nas nossas escolas, considera-se o plural dos nomes, mas afirmando-se que «o que tipicamente não podem é manter a sua interpretação de nomes próprios». Aliás, lendo o que se segue, compreende-se a lucidez dos linguistas, mas também se percebe a contradição para dar voz ao uso de que, inevitavelmente, vive a língua. Assim, neste caso, o contraste parece-me mesmo morfológico e não tanto de «interpretação semântica» como na mesma gramática se quer fazer crer. Será assim?
Grato pela atenção.

Resposta

Creio que o cerne da questão está no conceito – restrito ou alargado – de «próprio» quando falamos de nomes próprios. Em sentido restrito um nome próprio é aquele que corresponde a uma, e só uma, entidade. Diz-nos Óscar Lopes na Gramática Simbólica do Português: «… quando uma frase como “António, José e Maria” se usa de modo inequívoco, então esses nomes maiusculados estão cada qual em correspondência com um elemento apenas de um dado conjunto (de pessoas): entender tal frase é saber definir tal conjunto, graças às expressões que no respectivo contexto (dialogal ou outro) se lhe referem. Há mais Marias na Terra; mas quando, sem ambiguidade, se fala em «Maria», trata-se de um elemento único de um conjunto de pessoa(s), conjunto definido pelo facto de ter(em) esse nome…»

Creio que é a este facto que Alina Villalva se refere na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, pág. 927. Repare que todas as referências mantêm a maiúscula, sinal de que a autora considera esses nomes como próprios. Do ponto de vista morfológico, o seu plural é regular – Luís, Luíses; Maria, Marias, etc.
Eu situaria a diferença entre (1) e (2) no âmbito da semântica ou mesmo da pragmática:

(1) A Maria já chegou.
(2) Há mais Marias na terra.

Com efeito, o plural do nome Maria é igual ao de nomes comuns com a mesma estrutura (ou terminação); do ponto de vista convencional, porque designa uma entidade única, claramente identificada, escreve-se com maiúscula.

O que distingue o singular «Maria» na frase (1) do plural «Marias» em (2) é, afinal, o conceito de próprio, que em (1) é aplicado no sentido restrito e objectivo, reportando-se a uma única entidade, enquanto em (2) se aproxima de um nome próprio colectivo plural, como os Portugueses, pois designa um grupo alargado de indivíduos que têm em comum, pelo menos, o nome. Quando dizemos Portugueses, ou Marias, não conseguimos definir objectivamente uma entidade única que lhe corresponda. É este aspecto que é problematizado e problematizável, dada a definição de nome próprio que continuamos a aceitar.

Para além do plural do nome próprio, há ainda a ter em conta, como refere, o plural dos apelidos, que, efectivamente, fazem plural quando designam não o indivíduo, mas os membros de uma família.

A situação em que o nome é utilizado para designar qualidades insere-se, creio, no conjunto global da pluralização dos nomes próprios, em que não se designa um indivíduo, mas, potencialmente, a totalidade de indivíduos com características idênticas. Poderíamos assim, dizer que «Marias há muitas, mas Camões há poucos».

Em todas as situações em que há um plural, seja no nome próprio, seja num apelido, o que acontece é a perda da individualização da entidade designada que é apresentada como um conjunto com características próprias e não como um indivíduo.

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