DÚVIDAS

Cardíacos, renais, alcoólicos, cateter

No Brasil, freqüentemente, diria mesmo que na esmagadora maioria dos casos, os doentes do coração e dos rins são chamados, respectivamente, de "cardíacos" e "renais". Há outrossim diversas associações por todo o Brasil cujos nomes sempre se iniciam "Associação de (os) Renais Crônicos de...". Diante deste fato, pergunto-lhes se o correto não seria chamar-lhes cardiopatas e renopatas, já que estes termos, sim, significam "que sofrem do coração" e "que sofrem dos rins" ou até mesmo "doentes do coração" e "doentes dos rins". Creio que ninguém quer dizer sou cardiopata ou sou renopata, porque estas palavras lembram psicopata.
Ficaria feliz se me pudessem fornecer a lista completa das palavras terminadas pelo sufixo -pata, com os seus significados.
De forma análoga, os grupos que se dedicam a recuperar as pessoas viciadas em bebidas alcoólicas chamam-se, no Brasil, Alcoólicos Anônimos em vez de "Alcoólatras Anônimos", usando, portanto, o termo alcoólico por alcoólatra. Parece-me que dizem que este último é aquele que adora o álcool ou as bebidas alcoólicas, o que não é o caso deles. Seria mesmo correto, pergunto-lhes, usar alcoólico no lugar de alcoólatra?
Os casos acima expostos parecem-me revelar um complexo de linguagem. Os meus patrícios brasileiros são muito complexados ao se expressar, evitando muitas vezes usar vocábulos que lhes parecem feios, disfônicos, antigos, estrambóticos, mas que na verdade não são nada disto, senão palavras normais.
Por outro lado, as pessoas que receberam transplantes de algum órgão, como coração, rins, córneas, etc, são chamadas de "transplantadas". Assim, é muito comum ouvir-se: "Fulano de tal é um transplantado", embora não seja ele o transplantado, mas sim o órgão que ele recebeu. Por isto gostaria de saber qual o nome correto para designar quem recebeu transplantes.
Pela resposta do Ilustre e Douto Consultor Sr. D' Silvas Filho, intitulada cateter, de 12 de novembro de 2.004, confirma-se aquilo que eu já sabia: cateter é um palavra de prosódia aguda ou oxítona. Todavia, entre os médicos brasileiros prevalece apenas a pronúncia paroxítona ou grave: "catéter". Isto talvez ocorra por influência da língua inglesa. O erro é tão generalizado, mesmo na imprensa televisionada e na sociedade em geral, que creio que muita gente pensa que a pronúncia correta é mesmo a dos médicos, a ponto de, se uma pessoa pronunciá-la corretamente, ficar como ignorante. Isto posto, pergunto-lhes: "catéter", pela sua generalização, já não poderia ser considerada uma variante correta de "catetér"? Li, algures, que um dicionário, cujo nome não me recordo agora, já estaria considerando esta nova prosódia como certa. Sabem qual seria ele?
Muito obrigado.

Resposta

Começo por lhe agradecer o amável apreço das suas palavras. No meu foro íntimo substituo-as simplesmente por `um estudioso da comum língua´, como tantos dos bons companheiros nesta nossa Ciberdúvidas.
Vou responder ponto por ponto às suas questões.

Cardíacos e renais
Claro que para o povo as designações `os doentes do coração´, `os doentes dos rins´ são mais evidentes; mas temos de aceitar que na comunidade médica a substantivação dos adjectivos seja suficiente: `os cardíacos´, `os renais´. Aliás o processo é perfeitamente legítimo na língua: chama-se derivação imprópria.

-pata
Um dicionário de termos inversos dá-lhe uma informação exaustiva sobre os termos terminados com este elemento. Há mais de uma dezena deles dicionarizados, de que indico os mais significativos: cardiopata, fisiopata, homeopata, naturopata, nevropata, psicopata, telepata, etc. (pesquisa no CD-ROM Universal da Texto Editores).

Alcoólico e alcoólatra
Os significados são semelhantes, mas as utilizações dos termos divergem. Em Portugal usamos mais o termo alcoólico para quem tem o vício do alcoolismo; mas aceito que se possa usar alcoólatra com este sentido (Houaiss).
A propósito, não me parece que os irmãos brasileiros sejam complexados no uso da comum língua, e, se fogem dos termos aneufónicos, arcaicos ou rebarbativos, fazem muito bem. São qualidades da linguagem a clareza e a simplicidade de processos na transmissão da mensagem (precisão concisa).

Transplantado
Neste caso estamos em presença duma figura também perfeitamente legítima na língua: toma-se a parte pelo todo (metonímia), como, por exemplo, fazemos na expressão: `a mulher ocidental sente-se mais livre´.

Cateter
A palavra para ser pronunciada ¦catéter¦ precisaria de ser acentuada, segundo as nossas duas normas ortográficas (que, como já tenho escrito, muito pouco diferem). É sem acento que o termo está registado no Vocabulário da Academia Brasileira de Letras, 1998. Se, no entanto, há comunidades que preferiram usar *catéter, recomendo que se esteja atento à evolução da palavra. Lembro os fenómenos biopsia/biópsia, esta última já dicionarizada, e termóstato/termostato, esta última já tão generalizada em Portugal entre os técnicos, que termóstato parece hoje um pedantismo.
O que recomendo sempre, `nos termos que estão em transição´, é não pôr os acentos, o que passa por esquecimento e permite a dupla pronúncia. Nota: já sei que esta recomendação vai escandalizar os fundamentalistas da ortografia, mas repito o que sempre digo: `as regras convencionais existem para servir a mensagem, não o contrário´.

Ao seu dispor,

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