A questão que apresenta é muito interessante e devo reconhecer que não encontrei nenhum trabalho em que o tema fosse abordado.
Pessoalmente, tal como o consulente, não aceito expressões como as que refere, apesar de nunca me ter apercebido da sua ocorrência, antes do seu texto! Creio que essa não-aceitação advém, como refere, do facto de sentir ambos com valor positivo, equivalente a os dois, ou a um e outro. Essa situação, parece-me, acontece com outras expressões de valor positivo. Vejamos um pequeno corpus:
1 – (?) «Os dois não falaram no assunto.»
2 – (?) «Um e outro não falaram no assunto.»
3 – (?) «Ambos não falaram no assunto.»
4 – «Nem um nem outro falaram no assunto.»
5 – (?) «O João e a Maria não falaram no assunto.» (reciprocidade)
6 – «Nem o João nem a Maria falaram no assunto.»
7 – «Nenhum falou no assunto.»
Expressões como as que ocorrem em 1, 2 e 5, em que os elementos que constituem o sujeito estão, expressa ou implicitamente, ligados por adição, ou através de coordenação copulativa de valor positivo, têm como alternativas mais formais 4 e 6 em que, em vez da conjunção copulativa de polaridade afirmativa, ocorre a conjunção de valor negativo nem. Em 7, a negativa faz-se com recurso ao indefinido de valor negativo nenhum.
Esta opção é mais formal e mais adequada do que a que ocorre em 3 e que se assemelha a 1, 2 e 5.
Este tipo de organização, em que dois ou mais elementos ligados pela conjunção copulativa afirmativa formam o sujeito de uma oração de polaridade negativa, necessitaria de um estudo mais aprofundado do que o que se espera numa resposta como esta. No entanto, e relativamente ao caso específico do uso de ambos, consultei o Corpus do Português e verifiquei que, não sendo embora uma construção muito utilizada, existe desde o século XVI:
8 – «E a menos claridade fará sombra menor, e a mais claridade faz maior a sombra e mais forte, que parece impossivel, não no sendo. Uns assombram muito as suas obras, e outros pouco, e ambos não errão; mas os que assombram mais forte com suavidade e descrição, estes tenho por mais valentes pintores e verdadeiros.»
Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga (1561)
9 – «Estes dous elementos agoa & terra fazë ambos jûtos hûa sphera como se proua pellos eclipses da lûa: por que a sõbra he de ambos & não he mayor que ha que responderia ha hûa spera que teuesse o diametro da terra. Tambem se pode prouar ser isto asi por que o mesmo numero de legoas ou milhas respõde a hû grao do ceo pella terra & pelo mar igoal mente: o que não poderia ser se ambos não fezessem hûa sphera:»
Pedro Nunes, Tratado da Sphera com Suas Anotações (1537)
O exemplo 9 ilustra um uso que me parece aceitável, uma vez que, na verdade, o que se está a dizer não é que nenhum faz, mas sim que ambos, terra e céu, em conjunto, fazem, ainda que usando um discurso cheio de negativas que não vamos analisar em pormenor. A par desta situação identifiquei frases em que, em vez de uma negativa que abranja as duas entidades designadas, se regista uma alternância:
10 – «… aos quais [grandes exemplos] merecem anumerar-se os dois irmãos Ximenes portugueses, lutando sobre qual deles havia de salvar a vida do outro, não consentindo se lançasse às ondas, quando ambos não cabiam no bote…»
Manuel Bernardes, Nova Floresta (1688)
Creio que neste caso estamos perante uma flutuação do numeral, que, efectivamente, desempenha a função de complemento directo:
11 – «quando não cabiam ambos no bote.»
Em outros casos, como em 12, parece haver uma certa reciprocidade
12 – «Tu embeberás no teu arco a tua melhor flecha, e eu farei o mesmo; curvá-lo-ás com vigor e apontarás ao meu coração, eu farei outro tanto e apontarei ao teu; darei com o pé dois sinais; ao terceiro dispararemos a um tempo. Por este modo será impossível que ambos não sucumbamos, e eu morrerei satisfeito por ter-te arrancado a vida, e te perdoarei a morte que me dás pela vida odiosa de que me livras.»
Bernardo Guimarães, O Ermitão do Muquém, séc XIX
Apresento mais um exemplo em que o valor veiculado me parece de oposição ou contraste:
13 – «Vos nam quereis rogar a Deos por my, pois eiuos de matar. Tantas vezes fez isto, que hûa veyo determinado para matar o Padre, o qual lhe pedio & disse. Ia que me queres matar, tiremos primeiro ambos hûa la-gea Primeira parte das historias que tenho sobre minha sepultura, & morto lãçarmeas dentro sem muito trabalho Elle o aceitou, & assi foram ambos a erguer a lagea: porë como o salteador trabalhaua quanto podia por erguella, assi trabalhaua o Padre ermirtão porque nam se erguese, & desta maneira ambos não faziam mudança na lagea, atentou o salteador no caso, e disse assi. E se vós nam ajudais como posso eu só erguela, que ainda que eu ergo da minha parte vos fazeis da vossa com que nam aproueite o que faço: antes que passasse a diante lhe disse o padre Ermitam. Ves ahi yrmão o que te eu digo, que me presta a my rogar a Deos por ti, pedindolhe que te tire do peccado & mao officio que trazes, se tu nam te queres.»
Gonçalo Fernandes Trancoso, Contos & Historias de Proveito & Exemplo (1575)
Em síntese, o uso de ambos a servir de sujeito a um predicado de polaridade negativa existe há muito tempo, mas não encontrei referências que permitam aceitar como bem formadas em português frases como 3: (?) «Ambos não falaram no assunto», sendo preferível o uso de 7: «Nenhum falou no assunto.»