O que me parece que pretende saber é se é apenas para efeitos de translineação que é relevante a existência de sílabas ortográficas. Ou antes: há algum outro argumento, para além da necessidade de translinear, que legitime a existência da noção de “sílabas ortográficas”? Bom, a resposta é, ao mesmo tempo, fácil e difícil...
Por um lado é fácil já que, se pensarmos, por exemplo, na música e na escrita das letras, reparamos que as palavras são divididas ortográfica e silabicamente: “o-ba-lão-do-Jo-ão-so-be-so-be-pe-lo-ar”... É impossível negar que a divisão das palavras escritas é facilitada pela presença de sílabas ortográficas.
No entanto, também é difícil, já que nestes contextos também é verdade que a métrica e a fonética têm muito a dizer... por exemplo, se tivermos uma sequência terminada em consoante (por exemplo -s), e a palavra seguinte começar por vogal, faz-se uma ligação: não teremos «as/armas/ e/os/barões/assinalados»..., mas sim «a/zar/ma/zios/barõe/zassinalados»... Ora, neste caso, a translineação não seria feita desta forma; a palavra e a sílaba ortográficas são preteridas em detrimento de uma regra métrica/fonética que neste caso obriga (grosso modo) a que uma consoante seguida de vogal deva ser produzida como uma sílaba.
Assim, a sílaba ortográfica é necessária sobretudo porque é necessário translinear. A escrita, as regras ortográficas e, dentro destas, as regras de translineação, são acima de tudo convenções e, apesar de as convenções serem muitas vezes criadas para facilitar o uso da Língua, também é verdade que muitas vezes uma regra não tem uma razão de ser outra para além do facto de facilitar a comunicação. Se todos conhecermos as regras, com certeza esse facto vai facilitar o entendimento da língua e esta não estará tão sujeita a variação, logo, a ambiguidades e incompreensões.
Parece que a translineação serve apenas para dividir sílabas ortográficas e não me parece que estas últimas existam apenas porque é necessário translinear. A sílaba é uma unidade fonológica (abstracta), da qual todos temos “consciência”... provavelmente (não posso assegurar), aconteceu que as sílabas ortográficas foram criadas porque, de alguma forma, se intuía que a palavra era segmentável de um modo relativamente sistemático. Porém, nem sempre essa segmentação intuitiva corresponde à segmentação ortográfica: têm é disso um bom exemplo. Trata-se de uma palavra que ortograficamente tem apenas uma sílaba mas fonologicamente tem duas: 'tãi-ãi'. Casos como estes são as conhecidas “excepções à regra”...