Nos dicionários encontram-se as seguintes expressões que estão na língua: «estar a zero» (num dado assunto), «ficar com visibilidade zero», etc. Assim, eu prefiro dizer que um «contador foi posto a zero». Poderia, no entanto aceitar a expressão «o contador foi posto a zeros», se este tiver mais que uma escala de contagem, e, portanto mais que um símbolo inicial de contagem (mais que um zero). Mas, mesmo assim, eu preferiria escrever: «todas as contagens foram postas a zero no contador». Reparou, certamente, que substituí o seu verbo «colocar» pelo meu «pôr». O que me levou a isso foi a sensação de que o verbo «pôr» estaria mais adequado na expressão. Sinto que se aplica o verbo «colocar» frequentemente com o sentido de pôr alguma coisa num certo lugar; ora, eu não estou a mudar o contador de lugar... Ao passo que o verbo «pôr» tem o sentido também de fazer (ex.: «pôr a escrita em dia»), e, em «pôr o contador a zero», estou a exercer nele uma acção, eventualmente sem necessidade de o mudar de lugar. É o problema da propriedade no uso das palavras, hoje tão pouco considerada, mesmo em pessoas com responsabilidade na língua. Por exemplo, como já escrevi, há quem use indiferentemente o “empréstimo” «líder» para: combatentes, banda, revoltosos, comissão, esquadra, etc., quando a riqueza da língua nos permite escolher respectivamente os termos mais adequados: comandante, mestre, cabecilha, animador, chefe, etc. Esta pobreza de vocabulário actual é o resultado de se menorizar a leitura. Quem muito lê sente que existem ligações íntimas entre os termos do léxico, e busca a harmonia que esse sentimento lhe dita. Então, encontram-se páginas clássicas que são um autêntico cântico na propriedade de escolha das palavras: «Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos...», descrição do trabalho do estatuário, `in´ Padre António Vieira. Um autor com um discurso já por muitos considerado obsoleto; mas para mim ainda impressionante.
Ao seu dispor,