DÚVIDAS

À volta de demais e de mais

Ao compulsar algumas páginas do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (DAC), para que luz desse às minhas incertezas, não logrei encontrar esclarecimentos sobre o que passo a expor:

1. É comum ouvir-se que um espectáculo foi «de mais», quando a ele se associam adjectivos encomiásticos (belíssimo, fantástico, etc.). Contudo, para tal acepção, o DAC não apresenta qualquer registo abonatório. «De mais» será, neste caso, a forma correcta de escrever esta expressão?
2. Não será «demais» relembrar que... Abonar-me-á a ortografia?
3. No referido dicionário (I, 1098), «demais» e «demais a mais» são considerados brasileirismos. Mas nem Fr. Domingos Vieira, no século XIX, no seu Grande diccionario portuguez, se permite tal comentário!
4. A Academia prossegue, no segundo volume do mesmo dicionário (p. 2336), com a apresentação de exemplos que não deixam de suscitar dúvidas:

a) «Comeste de mais.» – Não deveria ser «comeste demais»?
b) «Não foi porque estava cansada e de mais a mais não tinha dinheiro.» – Pretenderiam escrever «demais a mais»?
c) «Um facto por de mais sabido.» – Fr. Domingos Vieira, op. cit., regista «por demais».

Muito obrigado pela resposta que houverem por bem dar-me!

Resposta

De mais é uma locução adverbial de quantidade que significa em quantidade excessiva.
Demais pode funcionar como advérbio e equivale a além disso e de resto.
Demais pode funcionar como adjectivo.
Os demais e as demais são pronomes indefinidos equivalentes a os restantes e as restantes.

As dificuldades ortográficas surgem quanto à utilização da palavra demais como advérbio de quantidade em oposição a de mais: locução adverbial de quantidade.

Regra prática para escolher a forma adequada: opor de mais a de menos. Se de menos for possível, é natural que de mais também seja possível.
Alguns autores não distinguem de mais de demais e usam estas formas como variantes ortográficas, especialmente quando a oposição a de menos não é esclarecedora. (vide D' Silvas Filho – Prontuário Universal da Texto Editora, pg. 160, nota 637).

Comentário às questões propostas:

1 – «O espectáculo foi de mais» pode ser uma estrutura de superfície correspondente a estruturas profundas como «O espectáculo foi longo de mais» e «O espectáculo foi bom de mais». Nestes casos, de mais serve de locução adverbial de quantidade para os adjectivos subentendidos.
«O espectáculo foi demais» pode ter como estrutura profunda: «O espectáculo foi alegre, elegante, enfim, demais». Neste caso, demais funciona como adjectivo pois pode significar excessivo, exuberante, etc., de acordo com o contexto.
2 – Na frase «Não será demais relembrar que...», a palavra demais funciona como adjectivo pois pode equivaler a excessivo.
Como adjectivo, só poderá ser demais.
3Demais, como advérbio significando além disso e de resto, tem uso desde o século XII; como adjectivo, tem largo uso no Brasil. Esta questão é irrelevante para muitos dicionaristas.
4a) «Comeste de mais» pode ter como oposto «comeste de menos». Logo, é fácil justificar o uso da locução de mais.
4b) De mais a mais é uma forma fixa que mostra a força de um motivo. Neste caso, introduz a razão que sobreleva o cansaço. (conforme Dicionário de Morais e outros dicionários).
4c) Por demais significa em excesso ou em demasia. É uma forma fixa e, por isso, deverá ser «Um facto por demais sabido». (conforme Dicionário de Morais e outros dicionários).

Conclusão: o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não segue estritamente as regras dos dicionaristas mais antigos em algumas das grafias tradicionais.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa