DÚVIDAS

À volta de demais e de mais, novamente

D' Silvas Filho decidiu enviar-nos um texto sobre o demais e o de mais, depois de outro dos nossos consultores, Tavares Louro, lhe ter feito uma referência na resposta à pergunta que se segue.

Ciberdúvidas

Hoje, ao compulsar algumas páginas do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (DAC), para que luz desse às minhas incertezas, não logrei encontrar esclarecimentos sobre o que passo a expor:
1. É comum ouvir-se que um espectáculo foi "de mais", quando a ele se associam adjectivos encomiásticos (belíssimo, fantástico, etc.). Contudo, para tal acepção, o DAC não apresenta qualquer registo abonatório. "De mais" será, neste caso, a forma correcta de escrever esta expressão?
2. Não será "demais" relembrar que... Abonar-me-á a ortografia?
3. No referido dicionário (I, 1098), "demais" e "demais a mais" são considerados brasileirismos. Mas nem Fr. Domingos Vieira, no século XIX, no seu "Grande diccionario portuguez", se permite tal comentário!
4. A Academia prossegue, no segundo volume do mesmo dicionário (p. 2336), com a apresentação de exemplos que não deixam de suscitar dúvidas:
a) "Comeste de mais." – Não deveria ser "comeste demais"?
b) "Não foi porque estava cansada e de mais a mais não tinha dinheiro." – Pretenderiam escrever "demais a mais"?
c) "Um facto por de mais sabido." – Fr. Domingos Vieira, op. cit., regista "por demais".
Muito obrigado pela resposta que houverem por bem dar-me!

Resposta

Já foi dada uma resposta exaustiva e cuidadosa sobre este assunto pelo meu colega consultor A. Tavares Louro. Mas porque ele fez gentilmente referência ao meu parecer sobre o assunto, venho agora concretizá-lo melhor.
Rebelo Gonçalves não aceitou demais como advérbio de quantidade; só o aceitava como advérbio de modo, na locução adverbial de modo demais a mais (além disso) ou como pronome (outros). No entanto, para o dicionário Houaiss-port.e, é já reconhecida a actual tendência de aceitar demais no sentido de em excesso («nunca é demais avisá-lo dos perigos da situação»).
Como o meu colega já referiu, penso que nem sempre o critério de opor `de mais´ a `de menos´ nos permite saber se `de´ e `mais´ devem ou não ser fundidas. Por exemplo, a frase: *`ele é estúpido de menos´ não faz sentido, a não ser que se esteja ironicamente a fazer a apologia da estupidez...(mas então é bom que o autor deixe o seu propósito bem claro, para que não passe ele próprio por estúpido...). Logo, neste caso, para mim, tanto faz escrever `estúpido demais´ (excessivamente estúpido) como `estúpido de mais´ (mais que o limite aceitável). Outro exemplo, em que não adianta teimar no preciosismo, é o caso da locução adverbial de quantidade: `por demais´ (grafia indicada como vindo no dicionário Morais) e `por de mais´, grafia em Rebelo Gonçalves...
Penso, porém, que se deve usar mais independente, quando claramente deve ficar separado (ex.: `foi de mais a mais´: cada vez mais).
Uso demais na locução adverbial demais a mais (além disso), no pronome substantivo ou adjectivo (ex.: os demais ou os demais alunos), e aceito também o critério de considerar demais equivalente a além da conta ou muitíssimo (ex.: estúpido demais).
Para os casos omissos, experimento dizer a frase oralmente. Quando não encontro diferença, para mim tanto faz. E se há efectivamente diferença no sentido pretendido, então procuro outro arranjo, que elimine a ambiguidade.

Ao seu dispor,

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa