De facto, provoca estranheza o título de um livro contemporâneo em latim. E, decerto, não foi por acaso que Umberto Eco o escolheu, jogando com a multiplicidade de sentidos que daí se podem retirar.
Fábula (< fabula, ae), etimologicamente, é palavra rica em sentidos: «vozes do povo; boatos; questões privadas; assuntos de família; narração sem passado histórico; conto; peça de teatro» (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 6.ª ed., Lisboa, Ed. Horizonte, 1990).
Por sua vez, o Dicionário Latino-Português apresenta-nos ainda outras propostas para tradução da palavra latina fabula, ae: «1. Conversação; objecto ou assunto de conversação; narração. 2. Narração dialogada e posta em cena; peça teatral; 3. Narração mentirosa ou fictícia; fábula; apólogo; historieta. 4. Conto; história; mentira. 5. Sombra; ser sem realidade; palavra vã. 6. Poema» (Francisco Torrinha, Dicionário Latino-Português, 3.ª ed., Ed. Maranus, 1945, pp. 222-223).
Será, portanto, preciso fazer-se uma leitura muito atenta à obra para que se possa estabelecer relações entre o seu conteúdo e o título. E se o próprio autor decidiu não o traduzir para a sua própria língua, que legitimidade teríamos nós de o fazer? Não estaríamos a violar a essência da expressão latina lector in fabula? Não quererá Umberto Eco, com tal expressão, gerar em nós, leitores, a tentação de se procurar descodificar o verdadeiro sentido desse título, lendo e relendo a obra? Quantas traduções permitirá tal expressão? O leitor na narração (como o consulente propõe)? Leitor em narração? Leitor em conversa? Leitor em peça? Leitor em diálogo? Nenhuma destas propostas parece corresponder a Lector in Fabula. Qualquer tradução é outra expressão que não tem a mesma musicalidade nem beleza. Parece, inclusivamente, que deturpa e agride o título original, retirando-lhe o verdadeiro sentido.
Penso que tal título é um desafio que Umberto Eco faz ao leitor, rodeando-o de mistério e, automaticamente, gerando a expectativa de se desvendar o sentido. É um jogo em que o leitor terá de entrar. Caber-lhe-á a ele, e a cada um que fizer a leitura, lê-lo (e traduzi-lo) de acordo com a sua análise. Ganhará, assim, uma infinidade de “traduções”.