Tal como salienta o prezado consulente, os dicionários brasileiros Houaiss, Aurélio e Aulete Digital, por exemplo, referem que o substantivo masculino raso, utilizado com o significado de «local onde a água não é profunda, onde se pode alcançar o fundo com os pés», é considerado um brasileirismo, ex.: «Não sei nadar, prefiro ficar no raso.»
Efectivamente, confirma-se que, em nenhum dos dicionários portugueses de referência consultados, o nome raso é acolhido em sintonia com a acepção citada, ainda que se possa encontrar, muito raramente, num ou noutro sítio português da Internet, a expressão «raso do rio». A Infopédia, por exemplo, dá conta da existência do referido substantivo, mas apenas como sinónimo de «campo; planície» (definição também acolhida pelos referidos dicionários brasileiros).
O Novo Dicionário Aurélio vai ainda um pouco mais longe, notando que, mesmo enquanto adjectivo, com o significado «De pouca profundidade; não fundo», raso é igualmente considerado um brasileirismo, ex.: «lagoa rasa; prato raso». No entanto, o dicionário português Priberam, por exemplo, certifica a existência da expressão «prato raso» (= «prato chato»). Quanto a «lagoa rasa»1, podemos encontrar, no Corpo: CETEMPúblico, por exemplo, a seguinte ocorrência: «E quanto mais rasa a lagoa, maior é a poluição e menor é o número de espécies marinhas nela presentes, o que compromete a actividade pesqueira na região», comprovando-se, portanto, que, enquanto adjectivo, o vocábulo raso adquire, no português europeu, uma latitude muito mais ampla do que o respectivo nome, revelando sentidos muito próximos dos sugeridos pelo consulente: «No leito propriamente dito, este processo tem o efeito de tornar o rio progressivamente mais raso no seu troço final, ao mesmo tempo em que o vai escavando mais acima» (Corpo: CETEMPúblico).
De facto, enquanto adjectivo, raso pode significar «pouco elevado; rasteiro; baixo; rente – sapato raso; chão raso; pêlo raso; voo raso» (Priberam; Infopédia; Dicionário de Sinónimos e Antónimos, do jornal Público), sendo bastante comum, também no português europeu, a utilização da expressão águas rasas, como referência a águas de pouca profundidade, ex.: «Pouco passa do meio-dia e, com a maré alta a impedir o acesso às margens lodosas do rio, muitos pássaros vêm buscar alimento nas águas rasas das salinas» (Corpo: CETEMPúblico). Aliás, no sítio oficial da Galp Energia (na área dedicada à «exploração e produção»), por exemplo, são utilizadas, para descrever justamente o nível de profundidade da água, as expressões «águas rasas», «águas profundas» e «águas ultraprofundas», e no estudo «Biologia e conservação de mamíferos aquáticos» (Simpósio, 8, 9 e 10 de {#M|m}aio de 2009, Auditório da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, Peniche, Projecto Delfim, Centro Português de Estudos de Mamíferos Marinhos), por exemplo, podemos igualmente encontrar contextos que entroncam neste tipo de acepção: «A enseada também apresenta águas rasas e protegidas dos ventos» (p. 13).
Quanto à segunda parte da questão apresentada pelo consulente, valerá a pena dizer que a palavra baixo pode realmente veicular a ideia de algo que tem pouca profundidade. Neste sentido, no Dicionário Priberam, por exemplo, são propostas as seguintes definições para o vocábulo baixo: adjectivo — «Que tem pouca profundidade (ex.: a margem do rio é mais baixa deste lado)»; nome: «Parte do mar em que a água é pouco profunda = baixio.» Por outro lado, no sítio oficial da Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., é frequente encontrarmos passagens do tipo «Esta monitorização tem uma periodicidade semestral (Águas Altas e Águas Baixas) [...]».
1 Penso que não será descontextualizado fazer aqui referência à existência da famosa Lagoa Rasa, na ilha de São Miguel, nos Açores, que apresenta este nome justamente pelo facto de se apresentar como uma lagoa pouco profunda, distinguindo-se, assim, da Lagoa Funda e da Lagoa Comprida (Paula Aguiar, Paulo Antunes, Rui Mestre, Pedro M. Raposeiro, Ana C. Costa, «Dinâmica biogeoquímica de sistemas aquáticos da ilha das Flores», Universidade dos Açores, 2008 – Repositório da Universidade dos Açores).