DÚVIDAS

A identificação da personagem no texto

No âmbito da noção de personagem, como a identificar num texto? Tudo o que mexe ou apresenta alguma actividade, tal como um cão que ladra, é uma personagem do texto? Numa referência a um carro que passou e quase atropelou alguém, o condutor também é uma personagem? Por vezes os textos apresentam diversos intervenientes, mas com uma intervenção muito passiva ou distante. São tudo personagens como alguns manuais fazem parecer?

Desde já muito obrigada pela ajuda que me possam dar.

Resposta

Segundo o Dicionário de Narratologia (4.ª ed., Coimbra, Almedina, 1994, pp. 314-318), de Carlos Reis e Ana Cristina Lopes), «a personagem (na narrativa literária, no cinema, na banda desenhada, no folhetim radiofónico ou na telenovela) revela-se, não só, no eixo em torno da qual gira a acção e em função da qual se organiza a economia da narrativa. Uma personagem é, pois, o suporte das redundâncias e das transformações semânticas da narrativa, é constituída pela soma de informações facultadas sobre o que ela é e sobre o que ela faz. Para isso contribui a existência de processos que permitem localizar e identificar a personagem: o nome próprio, a caracterização, o discurso da personagem».

Relativamente às questões que são apresentadas sobre a possibilidade (ou, antes, a legitimidade) de, num texto narrativo, «tudo o que mexe ou apresenta alguma actividade, tal como um cão que ladra», poder ter o estatuto de personagem, não podemos deixar de alertar para a importância da função (ou do papel) de cada uma de tais «figuras» no desenrolar da acção. Porque é precisamente a força da sua intervenção na acção, a sua funcionalidade e o peso específico na economia do relato que definem a personagem em termos de relevo, o que leva a que possa ser classificada como protagonista (figura central que se destaca de todas as restantes personagens que povoam a história), personagem secundária e/ou mero figurante que, por sua vez, «pode ocupar um lugar claramente subalterno, distanciado e passivo em relação aos incidentes que fazem avançar a intriga, [surgindo como] uma personagem em princípio irrelevante para o desenrolar da acção, [podendo] considerar-se uma subcategoria». Assim, o figurante «surge [frequentemente] como elemento de um conjunto ou multidão e que, não desempenhando um papel relevante na intriga, tem o propósito de ajudar na ilustração de situações de cariz social como uma atmosfera, um posicionamento cultural, uma mentalidade, etc.» (E-Dicionário de Termos Literários).

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