Felizmente Há Luar (1961), só representada no D. Maria em 1978, é protagonizada por Gomes Freire de Andrade (1575-1817), um estrangeirado activo na política da fase final do Antigo Regime e que desembocará na revolução de 24 de Agosto de 1820. Raul Brandão, em Vida e Morte de Gomes Freire (1914), intitulara o derradeiro capítulo «Felizmente há luar», homenagem a general e “maçon” que, pelos vistos, inquietava o inglês Beresford, que superintendia entre nós, na ausência da Corte, fugida para o Brasil, aquando das invasões francesas. O debate, sendo entre um apaniguado de D. Miguel e um popular revolucionário, deve ser lido, entretanto, como desejo de libertação das tutelas que nos vinham sendo impostas, e, em 1961, da tutela salazarista, entre a repressão e a aventura da guerra ultramarina.
Em Felizmente Há Luar, enuncia-se um momento histórico pré-liberal, esse 1817 nacional sob ocupação (britânica, no caso), denunciando, simultaneamente, o tempo repressivo de 1961. A História espelha-se em personagens-tipo que nos convidam a concluir estarmos perante uma alegoria do Portugal de Salazar, com a guerra colonial no berço e a contestação estudantil em germe. O próprio texto, só encenado em 1978, é uma boa ilustração do quadro ditatorial.
O caso particular do general Gomes Freire de Andrade é tomado como exemplo do geral, estratégia própria de tal figura de expressão, no entender de Goethe: de modo alegórico se diz o destino dos melhores, que, contra qualquer forma de submissão na própria pátria, deve incutir noutros a liberdade e uma independência efectiva.
Essa frase terminal, e titular, tem sentido duplo, literal e espiritual (como diria Fontanier), fazendo-se passar uma ideia sob a imagem de outra, e tornando-a, assim, mais forte e apreensível. Não se confunda, pois, alegoria com sucessão de metáforas, nem com símbolo: o símbolo «vê o geral no particular» (Goethe), isto é, enuncia o particular mas sem visar o geral, ou sendo «uma parte do todo que representa» (Coleridge).
N.E.: também se denominam alegorias as representações simbólicas de ideias abstra(c)tas por meio de figuras escolhidas e dispostas convenientemente.
Felizmente Há Luar estabelece um conjunto de comparações do período posterior às Invasões Francesas com a época em que a obra foi escrita.
Há três forças que se evidenciam – exército, forças civis conservadoras e organização eclesiástica – na luta contra uma organização maçónica.
O título e a fogueira são elementos estéticos desta obra teatral.
Como não há apenas uma comparação, mas um conjunto organizado de comparações, ou metáforas, estamos perante uma alegoria política.
O elemento popular não é decisivo na acção e, por isso, julgamos que chamar-lhe alegoria político-social é excessivamente abrangente.