Susana Ramos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Susana Ramos
Susana Ramos
7K

Licenciada em Estudos Clássicos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pós-graduada em Ensino do PLE/L2 pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Foi docente de Português L2/LE no Instituto Camões em Paris entre 2009 e 2010 e professora estagiária de PLE/L2 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 2010 e 2011.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Pode escrever-se, indiferentemente, "faze-se" ou "faz-se"?

Muito agradecido pelo, eventual, esclarecimento, neste que é dos meus sites favoritos e indispensáveis.

Resposta:

Na conjugação do verbo fazer, a forma faz corresponde quer à terceira pessoa do singular do presente do indicativo (como em «O João faz o jantar»), quer à segunda pessoa do singular do imperativo («João, faz o jantar»). A forma verbal faze, de natureza culta, é, por sua vez, a segunda pessoa do singular do imperativo do verbo fazer, frequente, por exemplo, em romances do século XIX e dos primeiros decénios do século XX: «Ó minha querida Senhora do Patrocínio, faze que a Adelinha goste outra vez de mim!» (Eça de Queirós, A Relíquia, in Corpus do Português, Mark Davies e Michael Ferreira). Esta dualidade morfológica no modo imperativo está presente em verbos em que a consoante fricativa aparece no final do radical verbal, como: trazer, dizer, introduzir, reduzir, jazer, aprazer, etc.. No entanto, «costumam perder o -e na 2.ª pessoa do singular do imperativo afirmativo os verbos dizer, fazer, trazer e os terminados em -uzir: dize (ou diz) tu, faze (ou faz) tu, traze (ou traz) tu, aduze (ou aduz) tu, traduze (ou traduz) tu» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 389, 2002).

Pergunta:

Tenho visto nos meios de comunicação (jornais, revistas, televisão) adjetivos com maiúscula quando se referem a nacionalidades. Por exemplo: «O atleta Português ficou em primeiro lugar» ou «Presidente Francês desce nas sondagens». O novo Acordo Ortográfico trouxe alguma alteração nesse sentido?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Nos casos apresentados, português e francês são adjetivos pátrios. Estes e os adjetivos gentílicos1 são escritos não com maiúscula, mas, sim, com minúscula inicial, logo, as formas corretas são «o atleta português» e o «presidente francês»

O novo Acordo Ortográfico (AO 90) é omisso a respeito do uso de maiúscula e minúsculas iniciais com nomes e adjetivos relativos a povos e populações. Mas observe-se que a questão da maiúscula inicial só tem abrangido a grafia dos substantivos, e não a dos adjetivos.

Recorde-se que, antes do AO 90, não eram coincidentes as normas a respeito de maiúsculas e minúsculas iniciais neste tipo de substantivos:

– Em Portugal, em conformidade com a Base XXXIX do Acordo Ortográfico de 1945, usava-se a maiúscula inicial «[n]os nomes de raças, povos ou populações, por constituírem verdadeiras formas onomásticas», mesmo «quando empregados, por metonímia, no singular»; p. ex.:

1. «Os Portugueses são um povo saudosista.»

     «Os Lisboetas festejam o Santo António.»

2. «O Português gosta de tomar café.»

     «O Minhoto sabe dançar folclore.»

Mas considerava-se «importante distinguir deles as formas que podem corresponder-lhes como nomes comuns e que, como tais, exigem o emprego da minúscula inicial: muitos americanos, quaisquer portugueses, todos os brasileiros».

– No Brasil nunca se empregava maiúscula com estes s...

Pergunta:

O verbo apor é regido pela preposição em, ou por a?

Ex.: «A marca deve ser aposta na embalagem», ou «A marca deve ser aposta à embalagem»?

Qual dos dois é correcto?

Resposta:

O verbo apor, derivado do étimo latino apponere, «colocar junto de, servir, pôr sobre, acrescentar» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), e que tem, por sua vez, o mesmo significado, pode ser um verbo bitransitivo1 regido quer pela preposição em, quer pela preposição a. Vejamos as possíveis ocorrências que o Dicionário Eletrónico Houaiss nos apresenta:

Com a preposição em

1. pôr junto ou sobre; aplicar; justapor

Exemplo: «Apôs o endereço no telefone.»

Com a preposição a

1. atrelar, jungir, engatar (uma coisa na outra)

Exemplo: «Apôs a sela ao cavalo.»

2. acrescentar, juntar (uma coisa a outra)

Exemplo: «Apor um comentário a uma petição.»

3. aplicar ou dar (assinatura e/ou impressão digital) a (documento, tratado, lei, etc.)

Exemplos: «Na carteira de identidade apôs, além da assinatura, a impressão do polegar» e «Apôs sua assinatura à nova lei».

Nos exemplos que a consulente apresenta – «a marca deve ser aposta na embalagem» e «a marca deve ser aposta à embalagem» –, se considerarmos «marca» como uma assinatura da empresa em questão, então usamos a preposição a. Se apenas nos referirmos a «marca» como um objeto que aplicamos noutro, podemos usar a preposição em.

São verbos bitransitivos os que exigem objeto direto e indireto na mesma oração.

Pergunta:

O motivo de vos escrever prende-se com uma dúvida acerca da hifenização de um termo específico no novo acordo ortográfico: "anti-spam".

De acordo com as regras do novo acordo ortográfico descritas por várias fontes, esta palavra deveria ficar como "antisspam", pois o hífen "cai" e a consoante s é duplicada.

A minha questão é: o facto de a palavra spam ser um estrangeirismo influencia de alguma maneira a aplicação desta regra? Assim, como deve ficar o termo: "antispam", ou "antisspam"? Eu procuro esta informação especificamente para português do Brasil, mas imagino que funcione tanto para português de Portugal como para português do Brasil.

Muito obrigado pela vossa ajuda.

Resposta:

As regras de hifenização impostas pelo Acordo Ortográfico de 1990 ditam que, de um  modo geral, as palavras prefixadas deixam de ter hífen, a não ser que o elemento prefixado comece por h (anti-histamínico) ou pela mesma vogal em que termina o prefixo (micro-ondas). Nos casos em que o segundo elemento de uma palavra prefixada começa por s ou r, duplicam-se estas letras. Deste ponto de vista, anti-spam1 passaria a "antisspam", o que não se verifica: no Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), no Portal da Língua Portuguesa, usa-se hífen quando «a palavra a que se juntam é um estrangeirismo, um nome próprio ou uma sigla: anti-apartheid, anti-Europa, mini-GPS».

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (em linha na Infopédia), regista a forma "antispam" sem hífen, mostrando que segue um critério diferente do definido pelo VOP.

Pergunta:

Qual o significado de «com pompa e circunstância»?

Resposta:

«Com pompa e circunstância» é uma locução adverbial que significa «de modo requintado e de acordo com a etiqueta», segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que, como abonação, apresenta a frase «a inauguração decorreu com pompa e circunstância». A expressão traduz Pomp and Circumstance, título de uma obra do compositor britânico Edward Elgar (1857-1934).

Refira-se que o substantivo pompa, que deriva do grego pompé, «cortejo», pelo latim pompa, «pompa, aparato», significa «aparato faustoso, magnificiente; ostentação» ou «grande luxo, esplendor» – definição do Dicionário Eletrónico Houaiss. Por sua vez, circunstância, que deriva do étimo latino circumstantia, ae, «situação, circunstância, particularidade», significa «particularidade que acompanha determinado facto ou acontecimento», «qualidade anexa ou determinante», «facto que provoca determinada ação ou comportamento» ou «estado das coisas num determinado momento» – definições dadas pelo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. O termo circunstância pode ainda significar «cerimónia, formalidade» – Dicionário Eletrónico Houaiss –, pelo que, apesar de haver quem conteste a expressão, por considerá-la má tradução do inglês, não se vê razão clara para rejeitar a forma com que se fixou no uso, ou seja, «com pompa e circunstância».