Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostava de saber qual foi o processo de formação da palavra hóquei. Empréstimo?

Resposta:

De acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001), o substantivo hóquei («jogo praticado sobre o gelo ou grama em que se enfrentam duas equipas na disputa de uma pequena bola maciça (na grama) ou de um disco (no gelo) que se devem impelir por meio de um bastão recurvado numa das extremidades») é, efetivamente, um empréstimo do inglês hockey. Este substantivo inglês é de origem obscura, sendo que, no entanto, se supõe que provenha do francês antigo hocquet (hoje hoquet), «pau», de formação onomatopaica1 (Machado, J. P., Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1977).

Por formação onomatopaica entende-se a «palavra criada por imitação de um som natural» (Dicionário Terminológico).

Pergunta:

É «raio x», ou «raio-x»?

Resposta:

As duas grafias, com ou sem hífen, estão corretas, a diferença está na semântica. Usamos raio X quando nos referimos ao «raio Roentgen». Este é a «radiação eletromagnética de comprimento de onda compreendido, aproximadamente, ente 10-11 e 10-8 cm» (Dicionário Eletrônico Houaiss) e é capaz de atravessar quase todos os sólidos e radiografá-los inteiramente. Já raio-X, com hífen, é a fotografia ou o exame feito por meio de raio X (Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa ). 1

1Veja-se o blogue Assim mesmo, onde se debate o assunto.

Pergunta:

Se fôssemos escrever, relativamente a Jesus Cristo, este versículo da Bíblia: «... o qual Se deu a Si mesmo por nós para nos remir...», que outras palavras iniciaríamos com maiúsculas, considerando que não era início de frase? «O»? «Qual»?

Resposta:

A Base 45 do Acordo Ortográfico de 1945, que o novo Acordo Ortográfico não alterou, esclarece que «as formas pronominais referidas a entidades sagradas (Deus, Jesus, Maria, etc.) podem escrever-se com maiúscula inicial (ou maiúscula exclusiva, se unilíteras), quando há intuito de lhes dar especial relevo». No entanto, de um dos exemplos apresentados na Base 45 infere-se que as «formas pronominais» se limitam aos pronomes pessoais: «Veneramos O que nos salvou.» Assim, tendo em conta o exposto, o pronome pessoal o, no versículo transcrito, deve surgir em maiúscula, «… O qual Se deu a Si mesmo…», porque é o pronome pessoal que se refere à entidade sagrada.

 

Pergunta:

Já fiz várias pesquisas, mas não encontrei resposta a estas questões.

Carga e carrega são palavras da mesma família? A segunda é uma palavra simples, ou complexa? Qual é o seu radical?

Obrigado.

Resposta:

Carga e carrega são substantivos que partilham o radical carr-1 e, tendo em conta que família de palavras é «o conjunto das palavras formadas por derivação ou composição a partir de um radical comum»2, verificamos que estes substantivos são, efetivamente, substantivos da mesma família. Relativamente à formação do substantivo carrega («bebedeira», «planta poácea dos terrenos pantanosos» e, como regionalismo, «bebedeira» – cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), verificamos que é formado por derivação regressiva ou não afixal, o que faz dele uma palavra simples.

1 carr-: «antepositivo, do latim carrus,i, masculino, e carrum,i, neutro, "carreta de quatro rodas"» (Dicionário Eletrônico Houaiss, 2001).

2 Dicionário Terminológico

 

Pergunta:

Gostaria de saber se os nomes de etnias indígenas podem ser flexionados ou não, como nos exemplos a seguir: «professoras tukano»; «estudantes kaingangs».

Grata.

Resposta:

A flexão em género e número dos substantivos que denominam um grupo indígena ou os adjetivos relativos a estes mesmos grupos é variável. Nos exemplos apresentados, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001), constatamos que:

– Tucano (substantivo assim grafado no Dicionário Eletrônico Houaiss; não se achou atestado tukano) é um substantivo e adjetivo de dois géneros1 flexionável no plural (exemplo: «A professora tucano»/«As professoras tucanos»);

Kaingang é um substantivo e adjetivo de dois géneros e dois números2 (exemplo: «O estudante kaingang»/«Os estudantes kaingang». Note-se, no entanto, que a mesma palavra, ao ser grafada de forma diferente, caingangue, passa a ser um substantivo e adjetivo de dois géneros e flexionável no plural (exemplo: «A professora caingangue»/«as professoras caingangues»).

Assim, importa salientar que, em relação a estes nomes étnicos, a flexão em género e em número varia em função de o substantivo ser grafado na transcrição da forma original ou escrito na forma aportuguesada.

1 O substantivo de dois géneros apresenta «uma só forma para os dois géneros, mas distingue o masculino do feminino pelo género do artigo ou de outro determinativo que o acompanhe: o/a agenteo/a artistao/a colegao/a clienteo/a estudanteo/a gerente» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 196-197).