Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nos dicionários gerais, não encontro a etimologia da palavra estribo nem de suas derivadas como estribeira e estribado. A palavra estribo já existia no latim?

Resposta:

O substantivo português estribo tem origem no latim medieval strepum, i (Dicionário Eletrónico Houaiss, 2001). Por sua vez, este vocábulo latino tem origem obscura, supondo-se que talvez provenha do gótico stiup, de que é variante o frâncico streup (Machado, J. P., Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1972). Relativamente ao substantivo estribeira, que é constituído a partir do antepositivo estrib- + o sufixo -eira, provém do substantivo estribo, tal como o substantivo estribado, particípio de estribar, verbo que se forma também a partir do antepositivo estrib-.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe na língua portuguesa o verbo "impartir", cujos sinónimos são «compartilhar», «repartir», «comunicar», «revelar».

Encontrei a palavra "impartição", e, formando um verbo com esta palavra, dever-se-ia obter o verbo "impartir" na língua portuguesa, mas, infelizmente, não o consigo encontrar em nenhuma página lusófona. Por isso me derijo a vós.

Obrigado.

Resposta:

 Nenhum dos dicionários da língua portuguesa consultados (Houaiss, Porto Editora, Priberam) regista o verbo "impartir". No entanto, formas correspondentes encontram-se registadas nas línguas francesa e espanhola. Este verbo, traduzido para língua portuguesa, tem o significado que o consulente lhe atribui, ou seja, impartir em espanhol é traduzido para português como «aplicar; dar, ministrar, lecionar» (Dicionário da Porto Editora), e o verbo francês é traduzido para português como «dar, atribuir; acordar, conceder» (idem).

Quanto ao substantivo "impartição", também este não se encontra registado em nenhum dicionário de língua portuguesa. O único registo que encontramos deste substantivo resume-se a sítios da Internet que fazem referência a conceitos de correntes religiosas implantadas no Brasil. Numa dessas fontes (Reino Net), dá-se a entender que o substantivo "impartição" se relaciona com a palavra inglesa impart.1  À semelhança do que acontece com o verbo espanhol e francês, este verbo inglês é traduzido para português como «comunicar, transmitir; conferir, dotar de» (Dicionário da Porto Editora).

1 A fonte consultada é muito pouco rigorosa ao estabelecer esta relação: «A palavra impartição é uma transliteração [sic] da palavra inglesa impart, utilizada na passagem de Romanos 1:11.» Na verdade, impartição não é uma transliteração de impart, mas antes ...

Pergunta:

A palavra rotável (no sentido de órgão mecânico que pode ser substituído por outro previamente reparado e preparado, reduzindo o tempo de imobilização do veículo, como uma turbina de avião ou uma caixa de velocidades de um automóvel) não se encontra (pelo menos pelo que eu pesquisei) em praticamente nenhum dicionário. É correto utilizar este termo? Existe uma definição "oficial"?

Obrigado.

Resposta:

O substantivo rotável não se encontra atestado em nenhum dicionário. No entanto,  encontra-se registado num glossário de termos técnicos especializado em manutenção de motores aeronáuticos. Este glossário dá a indicação de que o substantivo rotável deriva do substantivo inglês rotable e designa «um produto aeronáutico reparável, cuja operação está limitada por potencial. A sua designação deriva do facto de poder ser utilizado tantas vezes quantas as que forem possíveis antes de ser considerado incapaz ou atingir o seu limite de vida». Atendendo ainda ao significado do substantivo inglês presente no Business Dictionary, podemos ainda afirmar que rotável é, tal como o consulente referiu, um «órgão mecânico que pode ser substituído por outro previamente reparado e preparado». Como, nas fontes de que dispomos, não se regista vocábulo português tradicional, afigura-se, portanto, legítimo uso da forma rotável, que, de resto, integra morfologia de origem latina, embora a sua transmissão seja feita pelo inglês.

Observe-se, ainda, que o inglês rotable parece derivar de rota, «lista de pessoas que fazem serviço sucessivamente (dicionário Inglês-Português da Porto Editora, na Infopédia), palavra que, segundo o Oxford English Dictionary, tem origem no latim rota, ou seja, «roda» (rotable terá ainda sofrido uma extensão semântica de modo a aludir à substituição sucessiva de coisas, em lugar de pessoas). A adaptação de rotable ao português, rotável, como os adjetivos ...

Pergunta:

Gostaria de saber como fica o adjetivo no grau superlativo absoluto sintético.

Muito obrigada.

Resposta:

Pode considerar-se que o grau superlativo absoluto sintético do adjetivo se expressa pela forma sozinho, na qual o sufixo de diminutivo -inho funciona como marcador de intensificação.1 Ressalta-se, no entanto, que o adjetivo sozinho (que também pode signifcar «isolado») nem sempre é sentido, nos dias de hoje, como superlativo absoluto sintético de , mas, sim, como sinónimo deste último adjetivo, sobretudo em registos informais. Posto isto, caso haja necessidade de se usar o superlativo do adjetivo , sugerimos que se empregue o superlativo absoluto analítico deste adjetivo – «muito só» – ou, de forma a intensificar o sentido que queremos dar ao adjetivo, com o superlativo absoluto sintético do próprio advérbio muito – «muitíssimo só».

1 Não se usam nem atestam formas como "soíssimo" ou "sozíssimo". Atendendo a que, em português, existem formas de superlativo absoluto sintético que têm por base de derivação um radical erudito de origem latina – a amigo corresponde amicíssimo, cujo radical é amic-, do latim amicus –, poderia também pensar-se que com bastaria remontar ao étimo latino solu- e, restaurando o radical sol-, formar "solíssimo". Sucede, porém, que estes superlativos formados por via erudita documentam uma dada fase da história da língua (os superlativos começaram como eruditismos provenientes o latim e só mais tarde é que o sufixo -íssimo começou a associar-se a adjetivos criados por via popular; cf. Dicionário Houaiss, s.v. -imo), sem se ter instaurado depois o recurso sistemático aos radicais er...

Pergunta:

Qual a diferença, se há alguma, entre ofender (por palavras) e insultar?

Obrigado.

Resposta:

Os verbos insultar, no sentido de «proferir palavras ou ter um comportamento que atingem gravemente a dignidade, a integridade, a honra de (outrem); afrontar, ofender» (Dicionário Eletrônico Houaiss, 2001), e ofender, no sentido de «provocar desgosto, raiva ou vexação em; desgostar, magoar, desagradar, injuriar; ferir as suscetibilidades, o amor-próprio de; molestar, melindrar» (idem), são sinónimos. Contudo, estes verbos deixam de ser sinónimos quando associamos ao verbo ofender o significado de «causar dificuldade, desconforto a, lesar, prejudicar (ex.: "o sol forte ofendia os olhos"); causar dano a, romper, estragar (ex.: "o João ofendeu o tecido"); quebrar a continuidade de, interromper (ex.: "um latido agudo ofendeu o silêncio da madrugada"); violar as regras ou preceitos de, contrariar (ex.: "ofendeu as regras da assembleia")» (idem).

Cf.:  Como inventar um palavrão?20 insultos inconvenientes (e pouco conhecidos…)