Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Relativamente ao verbo ascender + preposição a.

A dúvida surgiu quando vi o seguinte texto num documento:

«XYZ – alterada a cláusula 1 do contrato, ascendendo para técnico superior...»

Entretanto, eu e minha colega achamos que deveria ser:

«XYZ – alterada a cláusula 1 do contrato, ascendendo a técnico superior...»

Só que não sabemos explicar porque é que deveria ser a e não para.

Agradeço pela atenção.

Resposta:

No exemplo apresentado é preferível, efetivamente, o uso da preposição a: «… ascendendo a técnico superior…». O uso desta preposição em detrimento da preposição para deve-se ao facto de estarmos a falar da subida no cargo ou posto de trabalho. Por outro lado, o uso da preposição para na regência do verbo ascender supõe uma ascensão quantitativa (atingir, chegar a) – ex.: «O petróleo ascendeu para valores exorbitantes.» Note-se, no entanto, que neste último exemplo podemos substituir a preposição para pela preposição a sem alterar o sentido da frase.

Pergunta:

O que significa a expressão «cinco réis de gente»?

Resposta:

A forma réis é o plural de real, termo que remete para a unidade monetária da monarquia portuguesa, com diferentes valores ao longo dos tempos. No final da monarquia, «cinco réis» era uma moeda com o valor aproximado dos atuais dez cêntimos. Assim, e visto que se trata de uma quantia monetária muito baixa, a expressão «cinco réis» é usada para qualificar algo ou alguém muito pequeno ou muito insignificante. Neste sentido, ao dizermos «cinco réis de gente», estamos a qualificar uma pessoa que de alguma forma nos incomoda, que é insignificante, que para nós pouco valor tem.

Pergunta:

Na frase: «A participação dos trabalhadores na gestão e/ou nos lucros das empresas, o chamado accionariado do trabalho, e coisas semelhantes.»

Diz-se accionariado?

Obrigada.

Resposta:

O termo acionariado, que define um «conjunto de acionistas», usa-se quer no Brasil, quer em Portugal, como termo da área económica, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Em páginas da Internet, verifica-se que há empresas portuguesas que adotam a palavra, muito embora, em Portugal, se recomende a expressão «estrutura acionista».1

Observe-se, porém, que acionariado não é propriamente um vocábulo de introdução recente. Na verdade, encontra-se já atestado como termo da área da economia em 1932, num artigo publicado na revista portuguesa Brotéria (volume 15, julho, 1932, pp. 326-328); exemplos (manteve-se a ortografia e o itálico do original): «Deu melhor resultado a copartnership inglesa ou americana, com o seu sistema de accionariado.»2  Como a configuração de accionariado não sugere uma origem anglo-saxónica (o exemplo apresentado é elucidativo, porque nele se diz que em inglês se usava ou ainda se usa o termo copartnership), não é de excluir que esta palavra provenha do francês, língua que até meados dos anos cinquenta tinha grande ascendente cultural em Portugal. Com efeito, o Trésor de la Langue Française regista acci...

Pergunta:

Diz-se solipa, ou sulipa?

Resposta:

A grafia correta do substantivo em questão é sulipa. Este substantivo feminino, usado no português do Brasil, pode ter ainda outra pronúncia e grafia, correspondentes a chulipa. Este substantivo, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (José Pedro Machado, 1977), deriva do inglês sleeper; significa «cada uma das travessas em que assentam os carris do caminho-de ferro» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora; ver também o dicionário Priberam).

Pergunta:

Existe a palavra (substantivo feminino) garimpa?

Resposta:

O substantivo feminino garimpa está atestado em diversos dicionários. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001), este substantivo é um regionalismo de Portugal que significa «armadilha para pássaros, gaiolo; indivíduo bem falante; ato, dito ou modo de fanfarrão, fanfarrice, arrogância».  Segundo a mesma fonte, é variante de grimpa, «lâmina móvel de um cata-vento, ger[almente] metálica, que, no alto de torres, casas etc., gira em torno de um eixo vertical e se destina a indicar a orientação do vento» (por extensão semântica, «a ponta, o cume de qualquer coisa»; e, em sentido figurado, «sentimento de orgulho; soberba, pretensão, imodéstia»). A forma grimpa é palavra derivada de grimpar, «galgar, escalar, elevar», que é adaptação do «fr[ancês] grimper (1495) "id.", f[orma] nasalizada de gripper (sXIV) 'id.' (com infl[uência]. de ramper "rastejar"), do frânc[ico] *grîpan, "apanhar, agarrar, prender, colher" [...]». Refira-se a expressão idiomática «levantar a grimpa», usada no sentido de «ensoberbecer-se, reagir com arrogância», conforme se regista no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves. Também se atesta o uso desta expressão com a variante garimpa: «[...] nenhum nobre ousou levantar mais a garimpa [...]» (Miguel Real, A Voz da Terra, Lisboa, Leya, 2012, edição eletrónica).