Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se lê correctamente o nome bíblico Raguel, pai de Sara, no Livro de Tobias? Já vi em Bíblias brasileiras com o trema (Ragüel). Isso poderia levar a que em Portugal também lêssemos o u, mas, como a pronúncia de nomes bíblicos nem sempre é pacífica dos dois lados do Atlântico, fico sem certezas.

Agradeço a ajuda.

Resposta:

A pronúncia do u de Raguel parece ser válida, atendendo à sua etimologia¹ e ao facto de em línguas próximas do português, nomeadamente no castelhano (Ragüel) e no italiano (Raguel), as formas correspondentes também terem um u articulado². No entanto, em português, e tendo em conta a escassa utilização do nome, parece aceitável a não articulação do u (tal como em Miguel).

Assinale-se que este nome está registado por José Pedro Machado no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa. Porém, uma vez que a obra foi publicada em Portugal, não é possível reconhecer se o u é pronunciado ou não, porque em palavras agudas como esta, que inclui a sequência gu antes de e ou i tónicos, não há maneira de distinguir graficamente, no português europeu, uma articulação da outra.

No contexto do português do Brasil, Rosário Farâni Mansur Guérios, no Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes (São Paulo, Editora Ave-Maria), publicado em 1973, regista o nome Raguel sem trema, indicando: «RAGUEL, hebr. Ra´uel, “amigo (ra´u) de Deus (El)”. Esta referência parece-nos significativa, dado que figura numa publicação feita no período em que o trema estava em uso no Brasil (a aplicação do novo acordo ortográfico elimina esse diacrítico); ou seja, apresentando-se Raguel sem trema, é de supor que o nome também se pronuncia sem [u].

 

¹ Raguel é uma variante de Reuel, forma que, segundo o sítio de língua inglesa Bible History Online, tem origem hebraica e ocorre efetivamente no livro de Tobias (ou Tobite). O...

Pergunta:

Quais são as formas verbais que posso usar com a conjunção logo... Sei que com «logo que» posso usar o presente do conjuntivo e também o futuro do conjuntivo. Mas não estou a ver se acontece o mesmo com logo sozinho, sem o que. Não se pode dizer «logo chegues», «logo chegares», «logo estiveres»?

Obrigada.

Resposta:

Logo, tradicionalmente considerada uma conjunção coordenativa conclusiva, de acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra, «serve para ligar à [oração] anterior uma oração que exprime conclusão, consequência» (Nova Gramática do Português Contemporâneo: 577). O modo verbal pedido por este conector é o indicativo. A título de exemplo:

«Penso, logo existo.»

«O acusado cometeu um delito grave, logo mereceu o castigo.»

«A Ana gastava muito dinheiro, logo andava sempre a pedir dinheiro emprestado.»

«A viagem durará oito horas, logo o João chegará naturalmente cansado.»

Em relação à locução conjuncional adverbial «logo que», como de resto outras locuções desta sorte (quando, mal, enquanto, assim que, antes que...), diz-nos Inês Duarte (Língua Portuguesa – Instrumentos de análise: 171) que «estas conjunções e locuções conjuncionais selecionam indicativo com tempo passado e presente; selecionam conjuntivo com tempo futuro, que pode ser expresso quer pelo presente quer pelo futuro do conjuntivo».

Pergunta:

«Empaginar: apontamentos de trabalho.»

A palavra empaginar existe no léxico português? É um neologismo?

Resposta:

O verbo empaginar faz parte do léxico português. Não podemos, no entanto, confirmar que se trate de um neologismo, antes parecendo um termo de baixa frequência característico de uma área especializada, a da edição de texto.

Com efeito, o verbo empaginar não se encontra registado em nenhum dos dicionários gerais que consultámos (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e dicionário Houaiss). No entanto, num âmbito mais espcializado, no Dicionário do Livro (Edições Almdina, 2008), Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão registam as palavras empaginar, empaginador, empaginado e empaginação. Transcreva-se, portanto, o que estas dizem sobre o verbo empaginar (mantém-se a ortografia original):

«Preparar o pergaminho para a escrita, traçando as linhas-base que delimitavam a caixa de escrita; procedia-se em seguida à puncturação com o compasso, estabelecendo o espaço interlinear, após o que se implantava o regramento • Preparar uma página utilizando textos fotocompostos que já foram alvo de uma primeira correcção.»

Além disso, assinalamos a utilização do termo empaginar, e de um substantivo dele derivado (empaginação), em alguns sítios na rede, no domínio da edição de texto, nomeadamente no que diz respeito ao tratamento de códices, com o sentido de «normas destinadas a manter uma proporção geométrica entre largura e altura, margens, intercolúnio e linhas do texto».

Pergunta:

Mediante a seguinte construção frásica, em que idealmente deviamos ter duas preposições diferentes, por qual devemos optar?

"À", "da", ou nenhuma delas, enunciando somente o lugar onde?

(chegar à) – «com partida e chegada à cidade do Porto»;

(partir da) – «com partida e chegada da cidade do Porto»;

(lugar onde) – «com partida e chegada na cidade do Porto».

Agradeço muito a atenção dispensada e o auxílio na nossa tão difícil língua portuguesa.

Resposta:

Nas frases que apresenta à nossa consideração, o problema parece estar relacionado com a não realização da regência de um dos elementos da estrutura coordenada introduzida pela preposição com. Os elementos coordenados partida e chegada requerem preposições diferentes: «partida de» e «chegada a». No entanto, apenas se verifica a regência do último elemento. A este propósito, Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa: 568), ao analisar os complementos de termos com regências diferentes, que resultam em construções abreviadas, afirma que «o rigor gramatical exige que não se dê complemento comum a termos de regência de natureza diferente». O autor fundamenta o seu argumento apresentando o seguinte exemplo:

(1) * «Entrei e saí de casa.»

(2) «Entrei em casa e dela saí.»

Segundo Bechara, a agramaticalidade da frase 1 reside no facto de entrar pedir a preposição em, e sair, a preposição de. Bechara conclui que «a língua dá preferência às construções abreviadas que a gramática insiste em condenar, sem, contudo, obter grandes vitórias». Ainda que as frases 1 e 2 apresentem predicados verbais, presumimos que a mesma explicação possa ser aplicada às sequências que a consulente indica, pese embora nelas encontrarmos somente expressões nominais. Estamos, em nosso entender, perante um fenómeno que se regista com frequência do ponto de vista do uso, mas que não se coaduna com uma perspetiva normativa.

Posto isto, propomos uma solução alternativa, tal como: «Com partida do Porto e chegada à mesma cidade.»

Pergunta:

Gostaria de saber qual das formas abaixo é a correta:

«O atirador estava com a arma posicionada às costas da vítima quando efetuou os disparos que resultaram em sua morte.»

«O atirador estava com a arma posicionada pelas costas da vítima quando efetuou os disparos que resultaram em sua morte.»

Analogamente, o trecho em destaque da frase abaixo está correto?

«O atirador estava com a arma posicionada EM FRENTE À vítima quando efetuou os disparos que resultaram em sua morte.»

Resposta:

Nas frases que o consulente apresenta [«(...) estava posicionada às/pelas costas (…)»], não nos parece correto o uso do adjetivo participial posicionada neste contexto, uma vez que aquilo que se pretende exprimir é o alvo da arma de fogo, e não a posição em que esta se encontra em relação ao ponto de referência (as costas da vítima). Em alternativa, propomos outra forma adjetiva participal, neste caso, relacionada com o verbo apontar, apontada. Esta forma, de acordo com o Dicionário Houaiss, indica precisamente a ideia de estabelecer um determinado ponto como um alvo. Assim, «a arma estava apontada às costas da vítima (...)».

Na terceira frase que indica («posicionada em frente à vítima») a noção de posição do adjetivo posicionada é compatível com o valor semântico da locução prepositiva «em frente a».