Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se diz: «cantar o hino nacional», ou «entoar o hino nacional»?

Grata.

Resposta:

Parece-nos que a forma mais correta é «cantar o hino nacional». O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, entre outras, apresenta a seguinte aceção para o verbo cantar: «emitir sons musicais com a voz, pronunciando, geralmente ao mesmo tempo, palavras que entoam com esses sons.» Assim, tendo em mente um hino nacional, como é o caso de A Portuguesa, que além do arranjo musical é composto igualmente de um texto escrito, parece-nos que o verbo cantar se adequa mais ao contexto apresentado pelo consulente. Entoar, ainda segundo o mesmo dicionário (que o apresenta como sinónimo de cantar em alguns contextos), deriva do latim intonare («ressoar») e significa tanto «1 – executar uma determinada melodia, tocando-a ou cantando-a», como «2 – dar o tom para se tocar ou cantar uma música» e «pôr ou ficar no tom [sinónimo de afinado]», não exprimindo, por isso, a ideia de simultaneidade entre a parte musical e a parte vocal.

Pergunta:

Qual o feminino de soba?

Grata.

Resposta:

Pelo que pudemos averiguar, soba (com ó aberto; transcrição fonética [sɔbɐ]), termo originário do kimbundu, ou quimbundo, possui apenas uma forma masculina («o soba»), dado que este título, tradicionalmente, é atribuído apenas a indivíduos do sexo masculino. O Dicionário Houaiss apresenta as seguintes aceções de soba: «1 – chefe de povo ou de pequeno Estado africano, especialmente na costa ocidental, ao sul de Angola; soma, sova; 2 – [Derivação por extensão de sentido] indivíduo que, em condição de superioridade económica ou política, exerce domínio sobre a população». Por seu turno, Óscar Ribas, no Dicionário de Regionalismos Angolanos (Contemporânea Editores, Matosinhos, 1977), apresenta as seguinte aceções: «autoridade suprema de uma tribo africana. Régulo; indivíduo de maior preponderância num meio; chefe de família; o que possui muitas mulheres (...)». Não encontrámos referência a um título específico para o género feminino para uma função semelhante.

Pergunta:

Existe a palavra audiencista?

Resposta:

De fato, não nos foi possível apurar o registo da palavra audiencista nos dicionários que tivemos a oportunidade de consultar. No entanto, apesar de não se encontrar formalmente registada, a palavra parece ser utilizada com relativa frequência no domínio da advocacia, tal como indica uma rápida pesquisa na Internet, em páginas aparentemente brasileiras dado apresentarem a extensão «.br». Por «advogado audiencista» entende-se um advogado contratado por um advogado titular apenas para fazer audiências («sessão de tribunal em que se interrogam as partes e as testemunhas, ouvem-se os advogados e proclama-se a sentença», Dicionário Houaiss), conforme se depreende da leitura do parágrafo, disponível numa página do sítio do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (sublinhado nosso):

«Outro fenômeno que precisamos avaliar é a precarização da advocacia. Na mesma medida e na mesma época em que foram criados os Tribunais Regionais da Justiça Estadual, surgiu o advogado “audiencista”. Ou seja, os grandes escritórios, que concentram as grandes empresas como suas clientes, e em sua grande maioria estão localizados no Centro do Rio, passaram a contratar os advogados, em sua grande maioria recém-formados, para ficarem o dia inteiro nos fóruns apenas para fazerem audiências, e não lhes garantem nenhum outro benefício.»

Pergunta:

Li, no manual de redação e estilo de um jornal brasileiro, a seguinte recomendação sobre o uso do termo:

«Verbos mais que errados. 1 – Há verbos que, por questão de significado, não podem ser acompanhados de que. Em geral, eles equivalem aos diversos sentidos de dizer (verbos dicendi). Veja um exemplo: alguém defende uma ideia, uma posição, mas nunca defende que alguma coisa se realize ou concretize. Assim, são erradas ou no mínimo impróprias as formas: acusar que, alertar que, antecipar que, apontar que, aprovar que, assumir que, citar que, comentar que, continuar que, defender que, definir que, denunciar que, desmentir que, difundir que, divulgar que, enfatizar que, indicar que, justificar que, mencionar que, narrar que, proferir que, prosseguir que, referir que, registrar que e relatar que. 2 – Podem, porém, ser normalmente usadas as formas: acrescentar que, adiantar que, admitir que, advertir que, afiançar que, afirmar que, aguardar que, assegurar que, asseverar que, atestar que, certificar que, comprovar que, concordar que, confirmar que, constatar que, declarar que, determinar que, dizer que, esperar que, garantir que, jurar que, negar que, ordenar que, prever que, prometer que, reiterar que, repetir que, ressaltar que, ressalvar que, revelar que e verificar que.»

Pesquisei no Ciberdúvidas e em outras fontes, mas não encontrei outra informação que refutasse ou comprovasse essa recomendação. Por esse motivo, conto com os esclarecimentos da equipe do Ciberdúvidas para conhecer as restrições e/ou as normas gramaticais que comprovam, ou não, a recomendação apresentada pelo referido manual. Como não há frases e, por isso, os verbos são apresentados fora de contexto, pergunto se os verbos dicendi citados podem, ou não, vir acompanhados de que. Nos dois casos (sim, podem/não, não podem), peço que sejam apresenta...

Resposta:

Sobre a lista de verbos dicendi¹ em causa, de modo a confirmar ou rejeitar o preceito enunciado no manual de redação e estilo em causa, segundo o qual se trata de verbos incompatíveis com complementos frásicos, consultaram-se alguns dicionários de verbos, a saber, por ordem cronológica (siglas entre parênteses para facilitar a referência): Francisco Fernandes, Dicionário de Verbos e Regimes (DVR-Fernandes), 2001 (data da edição consultada, que mantém o conteúdo da 4.ª edição, de 1954); Celso Pedro Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal (DPRV-Luft), 2003 (data da edição consultada, mas a 1.ª data de 1987);  Francisco da Silva Borba, Dicionário Gramatical de Verbos (DGV-Borba) 1991; Winfried Busse, Dicionário Sintático de Verbos Portugueses (DSVP-Busse), 1994²; João Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (DGVP-Malaca), 2007. Na lista que se segue, usam-se as siglas diante de cada verbo sempre que o uso de uma completiva introduzida por que surge atestado na fonte correspondente.

acusar que, DPRV-Luft, DGV-Borba

Pergunta:

Tenho encontrado na literatura (há uma expressão de Pessoa: «Inversão sexual frustre», mas principalmente em artigos de opinião escritos já no século XXI, a palavra frustre como adjectivo. O dicionário de língua portuguesa da Porto Editore contém a forma fruste, sem erre na sílaba final, na acepção que me parece a usada por Pessoa e por várias pessoas, entre as quais Vasco Pulido Valente, em artigos de opinião actuais. É frustre a versão arcaica de fruste (1. de qualidade inferior; insignificante; ordinário; 2. rude; grosseiro; 3. que não brilha; 4. MEDICINA relativo a uma forma leve ou incompleta de uma doença (Do italiano frusto, «gasto», pelo francês fruste, «idem»), ou tem outro significado? Porque é que não aparece nos principais dicionários?

Resposta:

No contexto apresentado pelo consulente, a forma adequada é fruste, adjetivo usado nas seguintes aceções, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (edição em linha na Infopédia): «1. de qualidade inferior; insignificante; ordinário; 2. rude; grosseiro; 3. que não brilha; 4. MEDICINA relativo a uma forma leve ou incompleta de uma doença.» O mesmo dicionário regista também frusto, que é adjetivo aplicável a «medalha ou escultura cujos caracteres se acham carcomidos pelo tempo». Fruste e frusto são formas divergentes com a mesma etimologia: este provém do italiano frusto, «gasto», enquanto aquele foi introduzido em português por via do francês fruste, que é a adaptação da mesma palavra italiana, frusto.

O Dicionário Houaiss regista apenas a forma frusto nas seguintes aceções, indicando a mesma etimologia: «1. desgastado, corroído pela ação do tempo (diz-se de obra de arte); 2. cujo relevo apresenta desgaste ou corrosão em função do tempo (diz-se de moeda ou medalha); 3. em que houve ou há desaparecimento dos traços característicos (diz-se de doença, moléstia etc.); 4. bloco de gelo; 5. desprovido de polidez; rude, grosseiro.» Este dicionário atesta ainda a forma frustro, derivação regressiva do verbo frustrar, como sinónimo de frustrado.

Por fim, no Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa, de Artur Bivar, encontramos registada a forma frustre na aceção de «estéril». No entanto, Bivar não adianta qualquer informação adicional que nos permita explicar a sua origem, podendo, quando muito, tratar-se de uma forma regressiva do verbo frustrar, à semelhança do que indicámos no caso de frustro....