Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há um advogado que tem por costume tratar as testemunhas por «senhoras testemunhas» independentemente do género das mesmas.

Ex.: dirigindo-se directamente a mim: «a senhora testemunha viu...», ou dirigindo-se ao juiz falando de uma testemunha masculina: «preciso de fazer mais uma pergunta à senhora testemunha.»

Este tipo de tratamento é correto independentemente do género da testemunha?

Resposta:

O estatuto é de testemunha, mas o género da pessoa que num determinado momento assume tal papel pode ser masculino ou feminino.

Logo, poder-se-ia, no limite, e quando muito, dizer «Senhor testemunha». Contudo, nunca «senhora testemunha», no caso de ser um homem a ocupar tal lugar.

Porém, não me parece que seja essa a prática generalizada em contexto de tribunal. Normalmente, advogados e juízes referem-se ou dirigem-se às testemunhas recorrendo a expressões do tipo «A testemunha...» ou «A testemunha, o Sr./o Dr./...».

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem qual a função sintática desempenhada pelo segmento «em casamento» nas frases «Ele pediu a Maria em casamento» e «Ela foi pedida em casamento por um príncipe».

Resposta:

O constituinte «em casamento» desempenha, em qualquer um dos enunciados sugeridos pelo consulente, a função sintática de complemento oblíquo.

Pergunta:

«Deixaram de ligar patavina.»

Isto é relativo a um papá que gosta muito de futebol:

«Para grande desgosto dele, os filhos, depois de ficarem crescidotes, deixaram de ligar patavina ao futebol.»

Não há aqui uma repetição (deixaram + patavina)? A frase está correcta apesar da provável repetição?

Muito obrigado.

Resposta:

A expressão registada é, de facto, «não perceber patavina» ou «não saber patavina».

No entanto, os dicionários HouaissAurélio, Priberam, Aulete Digital ou Infopédia, por exemplo, acolhem o vocábulo patavina, elencando os seguintes significados: «Nada, coisa nenhuma; coisa alguma.»

Deste modo, julgo que será legítimo o enunciado sugerido pelo consulente:

«Para grande desgosto dele, os filhos, depois de ficarem crescidotes, deixaram de ligar patavina [= o que quer que fosse/coisa alguma] ao futebol.»

Pergunta:

Queria perguntar se todas as frases abaixo mencionadas são corretas e qual é a diferença entre elas:

1) «Foi pena que os teus irmãos não pudessem vir ontem à festa.»

2) «Foi pena que os teus irmãos não tenham podido vir ontem à festa.»

3) «Foi pena que os teus irmãos não tivessem podido vir ontem à festa.»

Muito obrigada de antemão pela resposta!

Resposta:

As três formulações sugeridas pela consulente estão corretas, sendo que as diferenças, em termos semânticos, entre os vários enunciados propostos, são praticamente inexistentes.

1) Pretérito imperfeito do conjuntivo;

2) Pretérito perfeito do conjuntivo;

3) Pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo.

Repare-se, contudo, como bem lembram Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, p. 269), que nem sempre os referidos tempos verbais transmitem informação de eventos concluídos (como é o caso dos que aqui são elencados), sendo que, «sob certas condições, o pretérito perfeito composto e o mais-que-perfeito do conjuntivo podem exibir uma leitura de futuro em relação ao tempo da oração principal [...]», ex.: «Espero que a Rita tenha feito o exame quando o João voltar»; «Era bom que o Manuel tivesse feito o exame quando o João voltar». Nestes casos, «fazer o exame» é futuro em relação ao tempo da oração principal, ainda que passado em relação ao tempo da oração temporal «quando o João voltar».

Pergunta:

Desde já agradeço a existência de um site como o vosso. Gostaria de saber se o adjetivo rival é um adjetivo qualificativo (como os outros adjetivos da frase) ou relacional na seguinte frase:

«Vi um filme impressionante sobre uma luta sangrenta entre bandos rivais.»

Resposta:

De acordo, por exemplo, com Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, pp. 376-377, os adjetivos qualificativos «exprimem qualidades, estados, modos de ser de entidades denotadas pelos nomes (menino lindo, casa grande, vestido vermelho, etc.)»; os adjetivos relacionais, «geralmente denominais, [...] representam argumentos dos nomes com os quais são combinados e [...] por isso recebem reações temáticas diversificadas: de agente (a revolta estudantil, a destruição romana da cidade, a recusa presidencial, a aprovação ministerial); de experienciador (preocupação popular; de tema (crítica musical); de possuidor (trânsito urbano)».

Ainda de acordo com as citadas autoras (asterisco = agramatical),

1. os adjetivos relacionais «não podem, em geral, ocorrer em posição predicativa», ex.: *«A revolta foi estudantil»; *«A recusa é presidencial» ≠ «Os bandos são rivais».

2. Nos adjetivos qualificativos «há muitos que são graduáveis, os relacionais nunca o são», ex.: *«A revolta muito estudantil» ≠ «Vou sempre pintar Benguela com as mais vistosas cores e o rival Lobito ou a rivalíssima Luanda com as piores de todas», Pepetela, Jaime Bunda e a Morte do Americano, Lisboa, D. Quixote, 2003, p. 28.

3. Os adjetivos qualificativos «não têm em geral antónimos», ex.: Estudantil/*Não-estudantil ≠ Rival/aliado (Dicionário Houaiss).

Deste modo, pelo exposto, eu enquadraria o adjetivo rival na subclasse dos qualificativos.