Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se é gramaticalmente correcto dizer, por exemplo, «Não é por as gerações...»?

Ou dever-se-á apenas dizer: «Não é pelo facto das gerações...»?

A utilização do por é correcta?

Obrigada.

Resposta:

Está correcto o primeiro excerto que a consulente propõe, «Não é por as gerações...», visto que por é, no contexto em análise, um subordinador utilizado para introduzir uma frase causal (Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 108). Poderíamos, portanto, facilmente substituí-lo, por exemplo, por porque: «Não é porque as gerações...»

Por outro lado, valerá a pena dizer o seguinte: qualquer um dos excertos propostos introduziria, com alto grau de probabilidade, se tivesse continuação, uma oração infinitiva [ou não finita, de acordo como o Dicionário Terminológico: orações que têm como epicentro uma forma verbal no infinitivo (flexionado ou não), no gerúndio, ou no particípio]. Sendo assim, poderíamos imaginar a seguinte frase: «não é pelo facto de as gerações mais novas defenderem os valores da liberdade (...)», ou «não é por as gerações mais novas defenderem os valores da liberdade (...)». Quando assim é (isto é, quando se introduz uma oração não finita), a não contracção das preposições, se as houver, é obrigatória (leia-se, a este propósito, o seguinte artigo de Ana Martins; Mateus e outros, op. cit., p. 725). Ora, no segundo excerto proposto pela consulente, verificamos justamente que existe uma preposição — neste caso, a preposição de — que introduz uma oração infinitiva. Sendo assim, a forma correcta de construir o segundo excerto será «Não é pelo facto de as gerações (...)», e não «Não é pelo fa...

Pergunta:

Prezada equipe do Ciberdúvidas, agradeço-lhe pelas respostas sempre esclarecedoras e por verdadeiramente manter um intercâmbio entre as diferentes variantes da nossa língua portuguesa. Agradeço especialmente ao senhor Pedro Mateus, por sua gentileza em me ter respondido uma questão anterior, ajudou-me muito.

Recebi uma resposta da Academia Brasileira de Letras em que ela fez referência à obra de Duarte Nunes de Leão, Orthografia da Lingoa Portvguesa, de 1576. Quando procurei a referida obra e fui consultá-la, deparei-me com um termo cujo significado não conhecia. Ele está na secção «Tractado dos pontos das clausulas, & de outros que se põem nas palauras, ou oração”. Eis o trecho:

«O VII. he o hyphen, q quer dizer vnião, ou ajuntamẽto. O qual se vsa de duas maneiras: a primeira, quãdo se ajũtão em hũ corpo duas dições differẽtes, ficado feitas hũa soo, como passa-tẽpo, guarda-porta, val-verde, Mont’-agraço & aquellas palauras Latinas, venum-dare, pessum-dare, ab-interstato, & outras muitas. A outra maneira de q a vsamos He, quãdo per caso,ou per erro, se acerta de screuer hũa palaura cõ as syllabas muito separadas hũas das outras, para denotarmos, q se hão de ajũtar em hum corpo, para formar hũa dição, & tirar a duuida em que staria o lector, como aqui: Confira-dona vossa palaura. De maneira que He final de vnião & ajuntamento, & como hũa solda, & serruminação de syllabas.» [Pelo licenciado Duarte Nunez Leão, em ORTHOGRAPHIA DA LINGOA PORTVGVESA; Lisboa, 1570, pp. 77-78.]

Este termo é justamente serruminação, já no final da citação. Gostaria de saber seu significado.

Gostaria também de saber a quantidade de fonemas que tem o vocábulo Resposta:

A equipa do Ciberdúvidas agradece, mais uma vez, as amáveis palavras.

O livro Orthographia da Lingoa Portuguesa (1576), de Duarte Nunes de Leão, encontra-se integralmente disponível, em linha, no sítio da Biblioteca Nacional Digital de Portugal.

Após consulta atenta do documento original, mais concretamente da passagem transcrita pelo consulente sobre o uso do hífen (pp. 77-78), posso concluir o seguinte:

1. Devido às semelhanças evidentes verificadas entre as representações gráficas das letras s e f (característica, aliás, da escrita da época: veja-se, apenas a título de exemplo, a Comedia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, 1560), o estimado consulente terá, penso, de forma perfeitamente compreensível, trocado, em alguns momentos, uma pela outra: assim, onde se lê, por exemplo, no excerto transcrito pelo consulente, «He final de vnião», parece-me que fará talvez mais sentido ler-se «He sinal de vnião».

2. Deste modo, penso que a mesma observação deverá ser feita relativamente à palavra serruminação (termo que não encontro registado em parte alguma), epicentro da dúvida aqui exposta. Creio, portanto, que se deverá ler ferruminação.

3. Passo a explicar porquê: no excerto em análise, o autor começa por dizer o que significa a palavra hífen, elencando, seguidamente, aquelas que eram, na época, e tendo em conta o conhecimento e a análise do gramático, as duas funções do referido sinal gráfico, isto é, juntar duas palavras diferentes ...

Pergunta:

É correto ou aceitável o uso (como no exemplo abaixo) do presente do subjuntivo em orações subordinadas com a locução conjuntiva «tão logo»?

«Entrarei em contato com Lúcia, tão logo ela volte de Nárnia.»

Resposta:

No Dicionário Houaiss, por exemplo, a locução «tão logo» surge como sinónimo das locuções e conjunções subordinativas temporais «assim que», «logo que»; mal e apenas. Ex.: «O doente foi operado tão logo chegou ao hospital»; «O doente será operado tão logo chegue ao hospital».

Deste modo, partindo da análise comportamental das conjunções e locuções temporais supracitadas, podemos concluir que é correcto o uso do conjuntivo no contexto da oração subordinada temporal sugerida pelo consulente.

Valerá ainda a pena referir que uma consulta ao corpo CETEMPúblico confirma a existência da ocorrência em múltiplos contextos da locução conjuncional «tão logo», sempre em sintonia (na linha do que é atestado pelo Dicionário Houaiss e, já agora, pelo Novo Dicionário Aurélio) com a execução sintáctica das conjunções e locuções temporais. Ex.: «Este troço, segundo um comunicado da EPAL, entrará em funcionamento tão logo seja construído»; «Oswaldo Cruz Júnior passou a receber ameaças de morte tão logo começou a divulgar as suas denúncias». 

Em jeito de nota de rodapé, penso que será também interessante precisar que a expressão «tão logo» pode igualmente exercer, em determinados contextos, a função de advérbio (= locução adverbial). Ex.: «E somos nós, leitores, a deixarmo-nos enredar nas teias que o narrador vai tecendo para tão logo nos escaparmos, ganhando distância, interpelando, discutindo, denunciando», em subs...

Já há pelo menos três anos que reparo que, nos postos de abastecimento da BP, surge, no pequeno visor do terminal portátil de pagamentos por multibanco, a seguinte mensagem, enquanto se espera pela conclusão da operação, depois de se marcar o código pessoal: «Seja bem-vindo "á" BP.» Ainda há dias, quando fui abastecer o meu veículo, reparei nesta incontornável frase. Ganhei coragem e resolvi ir mais longe — cronometrei o tempo de espera...

Pergunta:

Numa resposta à pergunta intitulada Nós/a gente; vós/vocês, a propósito da substituição do pronome vós pelo pronome vocês nos dialectos centro-meridionais da variante europeia da língua, é citada a Gramática Histórica de 1921, onde já se observa que, «dirigindo-nos a mais de um indivíduo, servimo-nos hoje de vocês como plural semântico de tu». O que eu gostaria de saber, se possível, era se é certo que tal fenómeno terá ocorrido previamente na variante brasileira (e se há registos que nos permitam datar de forma aproximada a sua emergência) e quando é que essa evolução começou a fazer-se sentir em Portugal, pelo menos no eixo Lisboa-Coimbra. Já agora, aproveitaria também para perguntar, de forma muito concreta, se é possível que em meados do século XVIII tal fenómeno já fosse comum na fala de pelo menos parte dos portugueses?

Resposta:

Cintra e Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, incluem a palavra você na categoria «pronome de tratamento» (pp. 292-298) e confirmam que, «no português do Brasil, o uso de tu restringe-se ao extremo sul do país e a alguns pontos da região norte, ainda não suficientemente delimitados. Em quase todo o território brasileiro, foi ele substituído por você como forma de intimidade. Você também se emprega [...] como tratamento de igual para igual ou de superior para inferior». Acrescentam ainda os referidos autores que é este último valor, «de tratamento igualitário ou de superior para inferior (em idade, em classe social, em hierarquia), e apenas este, o que você possui no português normal europeu, onde só excepcionalmente — e em certas camadas sociais altas — aparece usado como forma carinhosa de intimidade».

Actualmente, já é possível precisar que o uso do tu, no Brasil, é bastante frequente no Norte, no Nordeste (excluindo a Bahia e Sergipe), no Sul (excluindo o Paraná) e no Rio de Janeiro, «mas conjugado frequentemente na 3.ª pessoa do singular: Tu fala, tu foi, tu é, excetuando-se as formas em que a sílaba tônica é a última, como tu 'tás». Acrescente-se ainda que «em algumas regiões do Sul do Brasil (sul, sudoeste e oeste do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e do Norte (Pará), o uso do tu na forma culta (conjugado na 2.ª pessoa do singular) é até bem mais usado que o você. Em alguns lugares do Sul, do Norte e em praticamente todo o Nordeste (excluindo a Bahia), o tratamento por tu é mais comum, usando-se os pronomes pessoais oblíquos de forma mais consistente (p. ex., para ti, com o mesmo significado qu...