Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação à pronúncia das palavras rio e riu. Sou do Norte de Portugal e sempre me habituei a ouvir uma clara diferença na pronúncia das palavras, sendo rio pronunciada como "ri-u" e "riu" como "riw", ou seja, a primeira como duas sílabas sem ditongo (ou quase como "ri-yu") e a segunda como um ditongo onde mal se ouve o "u". Mas desde que me mudei para Lisboa só ouço "riw" para as duas, ou seja, uma só sílaba. É esta a pronúncia-padrão da palavra? Outra coisa que me faz confusão é ouvir o e no início das palavras lido como "ê" em vez de "i", isto também é padrão? (ex.: "êxame", "êmoção", etc.)

Resposta:

A 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo rir, riu, deverá soar [Ríw] (cf. Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 994). Estamos, neste caso, na presença de um ditongo decrescente (ou seja, vogal seguida de glide)1.

No caso do substantivo masculino rio, a pronúncia oficial é [ˈRi.u], com realização fonética de duas vogais seguidas e, portanto, de duas sílabas, como bem constata o prezado consulente. Porém, na verdade, como se pode ler nesta resposta de A. Tavares Louro e Carlos Rocha, constata-se que a referida palavra acaba por ser «realizada oralmente de duas formas: ri-u e riu [ríw], especialmente na região de Lisboa».

No que diz respeito à última questão apresentada pelo consulente — a leitura do e inicial de algumas palavras como ê —, direi que se trata de um fenómeno de hipercorrecção, a que Fernando Venâncio, num divertido e êxemplar artigo intitulado «Medo ao i», chamou, com uma ponta de ironia, «pronúncia chique».

1 Segundo Mateus e outros, op. cit., p. 993, as glides, ou semivogais (representadas por [j] ou [w]) «têm características idênticas às das vogais [i] e [u] mas distinguem-se delas por terem uma pronúncia mais breve, não serem acentuadas nem poderem constituir núcleo de sílaba».

Pergunta:

«Depois de» é uma locução subordinativa temporal, ou apenas «depois que»?

Resposta:

Ambas são locuções subordinativas temporais (ou «conectores temporais», de acordo com Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p.722).

Ainda segundo Mateus e outros, op. cit., os conectores temporais «de base adverbial» depois que e depois de são normalmente usados para exprimir a «posteridade de um estado de coisas relativamente a outro».

Pergunta:

A palavra cateter, para aparecer como oxítona, teria de ter chegado até nós pelo grego, mas, como penso que passou pelo latim, por que não aparece como paroxítona?

Agradeço um esclarecimento.

Resposta:

De acordo com a generalidade dos dicionários modernos de língua portuguesa consultados (ex.: Infopédia), a palavra cateter deverá soar [kâtetér], isto é, acentuada na última sílaba, tal como D'Silvas Filho confirma e justifica nas duas respostas a que poderá aceder através das ligações disponíveis no final do presente artigo. De acordo com o referido consultor do Ciberduvidas, esta palavra, «para ser pronunciada ¦catéter¦, precisaria de ser acentuada, segundo as nossas duas normas ortográficas [...]. É sem acento que o termo está registado no vocabulário da Academia Brasileira de Letras [assim como, acrescento eu, no Vocabulário Ortográfico do Português]. Se, no entanto, há comunidades que preferiram usar *catéter, recomendo que se esteja atento à evolução da palavra. Lembro os fenómenos biopsia/biópsia, esta última já dicionarizada, e termóstato/termostato, esta última já tão generalizada em Portugal entre os técnicos, que termóstato parece hoje um pedantismo».

Por outro lado, o Dicionário Houaiss verte a seguinte nota a propósito do som deste vocábulo: «a pronúncia postulada pelo étimo é oxítona, mas a predominante, pelo menos no Brasil, é a paroxítona catéter/catéteres», e o Aulete Digital sugere mesmo a pronúncia catéter, com acentuação na penúltima sílaba, portanto.

Confirmando a polémica em torno da pronúncia da palavra em análise, Joffre M. de Rezende, num esclarecedor&#...

Pergunta:

Tenho uma pergunta que surgiu pela comparação do termo superfície com o equivalente inglês surface.

Gostaria primeiramente de referenciar a seguinte entrada (em inglês, no texto original) do blogue Linguae Textae (peço desculpa por não citar o artigo, mas não estou suficientemente à vontade, por causa dos direitos de autor).

O autor do artigo diz que a forma preferível para a língua portuguesa (e espanhola) de interface seria "interfície" (interficie em espanhol). Diz ainda que o fenómeno de mudança dos «ás» para «is» é frequente em latim, tal como se verifica em deficiente, do latim deficiens, em que o prefixo de- é apenso ao particípio presente faciens do verbo facere, que se tornou no português fazer e espanhol hacer.

Gostaria que conformassem se estas informações estão correctas.

Caso o estejam, por que motivo, em português, não se diz interfície? Nesta entrada, fala-se em como os falantes de catalão foram engenhosos, por terem adoptado o termo mais preferível. Como assim? Eu, por exemplo, no dia-a-dia, utilizo interface, porque é a norma adoptada pelos manuais escolares e meios de comunicação social, que supostamente deveriam utilizar os termos mais correctos e fiéis à no...

Resposta:

Objectivamente, não consigo vislumbrar razões para que se utilize «interfície» em vez de interface. Vejamos:

De acordo, por exemplo, com o Dicionário Houaiss e com a Infopédia, o substantivo feminino interface deriva do inglês interface [ˈɪntəfeɪs], que, por sua vez, segundo o Oxford English Dictionary, é composto pelo prefixo latino inter-, «no interior de dois; entre; no espaço de» (Dicionário Houaiss, Infopédia) + o verbo (e não o nome, note-se) inglês face [feɪs], que significa, em português, «enfrentar, voltar-se para; [...] estar virado para, dar para» (Infopédia, Dicionário de Inglês-Português em linha). O Nouveau Petit Robert de la Langue Française (2009) complementa esta informação, referindo que interface (vocábulo igualmente acolhido na língua francesa) é uma palavra inglesa de origem latina, face (do latim facia = retrato, facies = forma, ar, maneira, aspecto, da família de facere = fazer).

Ora, a palavra interface, em português, é acolhida em múltiplos contextos, surgindo associada a diversas áreas, sendo comum a todos os seus enquadramentos a ideia de «interligação», «interacção» ou «interconexão».

Assim, de forma muito resumida e até algo impressionista, por exemplo, na área das ciências da computação, interface pode ser «um c...

Pergunta:

O verbo representar é um verbo copulativo, ou transitivo?

Resposta:

O verbo representar é, na maior parte dos seus possíveis enquadramentos, transitivo (directo: ex.: «este quadro representa a pureza»; directo e indirecto: ex.: «representar [expor] ao governo o problema dos aposentados»). Em determinados contextos, é intransitivo (ex.: «aquele actor já deixou de representar [há muitos anos]». Noutros, pode ainda ser pronominal (ex.: «no sonho, representou-se a imagem de Deus»). (Fontes: Aurélio, Houaiss e Infopédia).

Penso que será pertinente relembrar que, de acordo, por exemplo, com o Dicionário Terminológico, os verbos copulativos (predicativos, de cópula ou de ligação) são verbos que ocorrem «numa frase em que existe um constituinte com a função sintáctica de sujeito e outro com a função sintáctica de predicativo do sujeito», sendo que esta última é desempenhada pelo «constituinte que ocorre em frases com verbos copulativos, que predica1 algo acerca do sujeito». Assim, em sintonia com este raciocínio, são normalmente listados como copulativos os verbos andar, continuar, estar, ficar, parecer, permanecer, revelar-se, ser, tornar-se. Ex.: «O bebé está contente»; «A Maria é astrofísica» (Maria Helena Mira Mateus,