Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o termo mais próprio para significar que as travessas de um andaime têm uma determinada resistência à flambagem? Significa isto torcer, colapsar, derruir, arquear?

Resposta:

Enquadrável no contexto muito específico em análise, e compatível com formulações de cariz mais técnico do termo, o Dicionário Houaiss, por exemplo, apresenta a seguinte definição para flambagem: «deformação lateral de uma peça longa submetida a esforço normal de compressão». Ainda no mesmo instrumento linguístico, será possível confirmar a existência do verbo flambar: «derruir ou arquear devido a peso; selar».

Deste modo, penso que os termos sugeridos pelo estimado consulente são adequados para traduzir a ideia veiculada na frase citada.

Pergunta:

Numa acção de formação que frequentei há dias, o formador afirmou que a frase «O João come muito, contudo não engorda» não seria possível de dividir em orações, uma vez que se tratava de uma frase complexa composta por duas frases simples, situação que muito estranho. Pergunto se não estamos perante uma situação de coordenação assindética, uma vez que o advérbio conectivo contudo pode ser colocado no final da frase ou até omitido, assim como o advérbio de negação não também pode ser suprimido, resultando em: «O João come muito, [não] engorda [contudo]».

Resposta:

No Dicionário Terminológico (DT), por exemplo, o termo oração encontra-se definido da seguinte forma: «Designação tradicional para os constituintes frásicos coordenados e subordinados contidos em frases complexas» (B.4.4. Articulação entre constituintes e entre frases/Frase complexa). Depreende-se, portanto, que, de acordo com o referido instrumento linguístico, o termo oração apenas se aplicará a frases complexas, isto é, a frases «em que existe mais do que um verbo principal ou copulativo» (B.4.4. Articulação entre constituintes e entre frases/Frase complexa), reservando-se o conceito de frase simples para enunciados «em que existe um único verbo principal [ainda que oculto] ou copulativo» (B.4.4. Articulação entre constituintes e entre frases/Frase simples).

Ora, no enunciado sugerido pelo prezado consulente, creio que detectamos a existência de dois verbos principais, estando nós, portanto, na presença de uma frase complexa, composta, em sintonia com o raciocínio veiculado pelo DT, por duas orações que estabelecem, do meu ponto de vista, uma relação compatível com a ideia de coordenação. Aliás, repare-se que facilmente poderíamos substituir o advérbio conectivo contudo pela conjunção coordenativa adversativa mas: «O João come muito, mas não engorda», ou até pela conjunção coordenativa copulativa e: «O João come muito e não engorda.»

Assim, do meu ponto de vista, poderemos na verdade dizer, pegando nas palavras do consulente, que, no que diz respeito ao ...

Pergunta:

Os novos manuais para o 7.º e 11.º anos incluem textos escritos antes do Novo Acordo Ortográfico – textos literários e não literários; no entanto, os mesmos aparecem já com a nova grafia. Será legítimo alterar textos, nomeadamente os literários?

Resposta:

De acordo com a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, que aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, realizada em São Tomé em 26 e 27 de Julho de 2004, e publicada em Diário da República, 1.ª série — n.º 145 — 29 de Julho de 2008, «no prazo limite de seis anos [...] a ortografia constante de novos actos, normas, orientações, documentos ou de bens referidos no número anterior [isto é, bens culturais] ou que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação, independentemente do seu suporte, deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» (Artigo 2.º).

Assim, segundo a legislação citada, todos os textos redigidos em língua portuguesa (literários ou não literários, anteriores ou posteriores a 2008) deverão respeitar, no prazo de seis anos, o conteúdo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO).

Entretanto, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 (Diário da República, 1.ª série — n.º 17 — 25 de Janeiro de 2011) veio determinar que «o Acordo Ortográfico é aplicável ao sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012, bem como aos respectivos manuais escolares a adoptar para esse ano lectivo e seguintes». 

Naturalment...

Pergunta:

Gostaria de saber se na frase «Um depende do outro, e os dois são intimamente interligados», o um funciona como artigo ou numeral.

Resposta:

Será sempre um pouco arriscado fazer análises deste tipo sem contextualizar devidamente as ocorrências propostas. Suponhamos, então, que o enquadramento é o seguinte:

«A maioria das pessoas vive a ilusão de que o planeta funciona exclusivamente como um sistema físico, no qual condições climáticas adequadas permitiram o surgimento e a manutenção da vida. Na realidade, a terra possui outro sistema vital, o biológico. Um depende do outro, e os dois são intimamente interligados» (Thomas Lovejoy, in revista Veja – Edição Especial, Dez. 2010).

Ora bem, neste caso concreto, direi que um é artigo indefinido, estando nós na presença, portanto, de uma estrutura elíptica1, tendo o respectivo referente sido já mencionado anteriormente no texto: «Um [sistema] depende do outro [sistema]»; caso estivéssemos a falar de mais que dois sistemas, poderíamos eventualmente ter a seguinte formulação: «Uns [sistemas] dependem dos outros [sistemas].»

Um poderia ser entendido como numeral em construção partitiva2 se os dois sistemas não dependessem intimamente um do outro, mas se, pelo contrário, apenas um deles dependesse do outro. Proporíamos, nesse contexto, a seguinte paráfrase: «Um deles [dos sistemas] depende do outro [sistema]», ou, no caso de se estar a falar de mais do que dois sistemas, «Alguns deles [dos sistemas] dependem dos outros [sistemas]».    

1 «Os artigos definidos não podem surgir isolados, quer por elipse do N quer por movimento do N e do complemento (ao contrário...

Pergunta:

Como responder ao seguinte exercício?

Observe estas duas regências:

— Acabo de comer.

— Começo a comer.

As palavras que ligam os infinitivos aos verbos anteriores são preposições que o falante escolhe porque:

1) os primeiros verbos são antônimos e têm uma regência também diversa.

2) as preposições indicam respectivamente o destino e a origem.

3) a comida fica nas costas de quem sai da mesa e à frente de quem vai.

4) ambas dependem unicamente da tradição da língua.

Resposta:

Nos contextos em análise, os verbos acabar e começar são utilizados como auxiliares.

Segundo Cunha e Cintra, «acabar emprega-se com o infinitivo do verbo principal antecedido da preposição de, para indicar uma acção recém-concluída: o avião acabou de aterrar» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 396); neste mesmo sentido, o Dicionário Houaiss refere que «este verbo [acabar] também se emprega como auxiliar, com a preposição de e o infinitivo de outro verbo, para indicar a ideia de conclusão próxima e imediata, de ato recém-terminado, término de ação recente (acaba de sair ou acabou de chegar por saiu ou chegou neste momento)».

No que diz respeito ao verbo começar, nota ainda o referido dicionário que este «também se emprega como auxiliar, com a preposição a [...] e o infinitivo de outro verbo, dando a ideia de início da ação (começou a dormir de novo)».

Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 408, incluem os dois verbos em análise no grupo dos chamados «verbos semiauxiliares»,1 a par, por exemplo, de estar, chegar, continuar.

Tendo em conta o exposto, não sei se alguma das hipóteses sugeridas poderá ser considerada verdadeira, no seguimento do enunciado «As palavras que ligam os infinitivos aos verbos anteriores são preposições que o falante escolhe porque». Ana...