Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a frase correta? «Deveria ter um link», ou «devia ter um link»?

Resposta:

Se considerarmos o tempo presente como contexto temporal de enunciação, as duas frases estão corretas, visto que tanto o condicional como o pretérito imperfeito do indicativo podem ser usados para expressar modalidade, aquilo que Mira Mateus et aliae, em Gramática da Língua Portuguesa, dizem ser «a gramaticalização de atitudes e opiniões dos falantes». Neste caso, o enunciador da frase parece estar a expressar uma opinião relativamente à eventual necessidade de um link (ligação de hipertexto) ou, no caso de um falante de português do Brasil, uma incerteza sobre a existência ou a localização de uma ligação de hipertexto num documento qualquer*.

De acordo com as autoras da Gramática da Língua Portuguesa, o condicional adquire um valor modal quando o ponto de perspectiva temporal não é um tempo passado (numa frase como «Depois de casar com João, Maria teria o seu primeiro filho», o condicional comporta-se como futuro do pretérito, designação que é mais comum na terminologia gramatical do Brasil).

Contudo, referem as mesmas autoras, «em português europeu, a referência a um tempo posterior ao da enunciação é expressa por outros meios, e o condicional está a ser substituído em vários contextos pelo imperfeito do indicativo» para expressar modalidade.

* No português do Brasil, ter pode ser usado com o sentido do verbo haver, pelo que a frase significaria «Devia/deveria haver um link».

Pergunta:

Gostaria de saber se «agência reguladora» e «agência regulamentadora» são expressões sinónimas ou se há diferenças no seu uso. Creio que tem havido uma grande confusão em Portugal no uso destas expressões, assim como no uso dos verbos regular e regulamentar.

Resposta:

No caso específico apresentado pelo consulente, as expressões «agência reguladora» e «agência regulamentadora» não são sinónimas, mas podem ter alguma coincidência no campo semântico, ou seja, parte do significado de uma palavra coincide com a área de significado da outra palavra.

O termo «agência reguladora» é utilizado legalmente no Brasil para designar um organismo que regula e controla um campo de atividade delimitado. É o caso da Anatel, Agência Nacional de Telecomunicações, que regula as telecomunicações no Brasil. Em Portugal, o termo é também utilizado para designar o mesmo tipo de organismos, sobretudo a um nível genérico e sem especificar a instituição, a qual poderá ter uma designação oficial diferente, ainda que com as mesmas competências. É o caso da Anacom, Autoridade Nacional de Comunicações, com o mesmo tipo de atribuições e competências que a sua congénere brasileira. Se aceitarmos que ambas são agências reguladoras, poderemos também dizer que ambas são agências regulamentadoras?

De acordo com o dicionário Priberam, o verbo regular, do qual deriva o adjetivo reguladora, significa «estabelecer regras ou regulamento», mas também «conter dentro de certos limites», «agir e dirigir segundo o espírito do regulamento». Por sua vez, o verbo regulamentar, do qual deriva regulamentadora, é «estabelecer regulamento ou norma» e é dado como sinónimo de regular. O dicionário Priberam vai mais lon...

Pergunta:

A palavra foragido deriva de alguma outra palavra?

Resposta:

De acordo com Silveira Bueno, no Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguêsa, a palavra foragido teve origem na expressão latina «foras exitus» (advérbio fora + radical latino exitus, sendo este a forma arcaica do verbo latino exire, o qual significava sair).

O processo pelo qual a palavra entra no vocabulário português não reúne consenso. Silveira Bueno não apresenta qualquer sugestão sobre este assunto; José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, refere a mesma origem latina, com entrada no léxico português «através do espanhol foragido» e no idioma castelhano a partir do italiano fuoruscito e fuoriuscito; Antônio Geraldo da Cunha, no Dicionário Etimológico Nova Fronteira, refere que, «tal como o castelhano foragido, […] o vocábulo português deve proceder do antigo provençal foreissit».

Pergunta:

Podem dizer-me como se chama um local onde se vende/sorteia rifas? Seja num espaço próprio, seja em banca.

Resposta:

Não lográmos encontrar um vocábulo específico para designar o local onde se vendem ou se sorteiam rifas. Tal poderá dever-se ao facto de que a rifa é um tipo de sorteio avulso, não sistematizado, cujo organizador não tem como principal atividade a promoção de rifas como um jogo de azar, vendendo-as regularmente num espaço comercial específico.

A conclusão acima apresentada parece contrariar os registos formais que definem e enquadram o que é uma rifa. No caso das ferramentas linguísticas, a definição de rifa apresentada pelos dicionários não especifica as circunstâncias em que se processa a sua venda e não distingue rifa de lotaria. Por exemplo, o Dicionário Houaiss (2009) define rifa como «sorteio de algo, geralmente um bem de valor, mediante a venda de talões numerados», definição semelhante à de lotaria, «forma de jogo de azar em que se compra um bilhete numerado e no qual os prêmios saem para os números sorteados». A distinção parece estar na classificação da rifa como jogo de azar, o que parece ser o caso, uma vez que o jogador depende apenas da sorte (ou do azar) para vencer.

Se avançarmos linguisticamente para uma perspetiva de gramática em uso (sistémico-funcional) e avaliarmos o que significa «jogo de azar», teremos de tomar também em consideração a utilização dos termos acima referidos no contexto jurídico. O enquadramento legal da rifa no Brasil e em Portugal parece apontar, à primeira vista, para a existência de uma atividade comercial sistemática de venda de rifas: a lei das contravenções penais (Brasil) aproxima, de certo modo, rifa a lotaria; o sistema fiscal português preceitua a retenção na fonte de IRC nos rendimentos obtidos relativamente a «prémios de jogo, lotarias, ...

Pergunta:

«Os anos oitentas foram marcantes.»

Li que o número cardinal vai para o plural quando é substantivo, e a frase acima é exemplo disso. Mas, em «anos oitentas», o número não é adjetivo? Ele não modifica anos?

Resposta:

A frase «Os anos oitentas foram marcantes» está incorreta, assim como a regra gramatical apresentada pelo consulente.

No que se refere ao postulado «o número cardinal vai para o plural quando é substantivo», a flexão em número está restringida a um grupo específico. Maria Helena de Moura Neves, em Gramática de Usos do Português, refere que «os numerais cardinais são, em geral, invariáveis, mas alguns deles se flexionam», sendo variáveis em número os cardinais milhar, milhão, bilião (ou bilhão), trilião e os sucessivos numerais cardinais desta grandeza.

É certo que os numerais cardinais acima referidos como exceção são sempre núcleo de sintagma nominal e, como adianta Moura Neves, ocupam a posição do substantivo (masculino). Mas isso não permite concluir que «o número cardinal vai para o plural quando é substantivo», pois tal não acontece nos casos em que os numerais cardinais indicam número absoluto e ocupam também a posição de substantivo, ou seja, quando os números cardinais servem para designar, como referem Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, «a quantidade em si mesma, caso em que valem por verdadeiros substantivos». Um exemplo deste último caso é «Dois mais dois são quatro».

Concluindo, a frase apresentada deverá ser formulada «Os anos oitenta foram marcantes».

Quanto à questão sobre a classe da palavra oitenta, o Dicionário Terminológico classifica-a como quantificador, ou seja, uma palavra que contribui para a construção referencial de um nome com que se combina e, neste caso, expressando uma quantidade n...