Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Não fiquei totalmente esclarecido com uma resposta que já está em linha.
É “pendurar o casaco” ou “dependurar o casaco”?

Resposta:

Dependurar é utilizado como sinónimo de pendurar em alguns contextos. Mas a sinonímia total e absoluta é rara. E, efectivamente, o termo dependurar tem um matiz semântico ligeiramente diferente de pendurar. Na expressão que apresenta, deverá utilizar-se o verbo pendurar (pendura-se o casaco no respectivo cabide), e não dependurar.
E porquê?
Porque pendurar significa colocar alto, suspender, prender em cima, de modo a que não toque no chão. Pendura-se o que é próprio para ser pendurado: um casaco, um chapéu, um vestido.
Dependurar pressupõe uma situação imprópria, ou porque o objecto não se presta a isso ou porque não fica correctamente pendurado, mas, sim, em desequilíbrio, a baloiçar, quase a cair. O prefixo de- desta palavra, interpreto-o como variante do prefixo dês-, indicativo de “coisa mal feita”, como no termo “desgoverno”, que significa que há um governo mal exercido. No caso de dependurar, há um acto de pendurar defeituoso; algo está pendurado, mas mal pendurado. E o verbo dependurar até assume mesmo a acepção de cair, por exemplo, na expressão «a vela do navio estava dependurada» (= sem estar enfunada, meio caída).

Pergunta:

É correto dizer «Creme de ação abrasiva» ou «Creme com ação abrasiva»?
Muito obrigada e parabéns por este "site" que é simplesmente maravilhoso.

Resposta:

São correctas ambas as expressões. Usa-se a primeira (creme de acção abrasiva) quando se pretende denominar o tipo de creme: trata-se de um creme que pertence ao tipo dos de acção abrasiva. Usa-se a segunda (creme com acção abrasiva) quando se pretende referir as consequências da aplicação do creme, o tipo de efeitos que ele provoca.

Pergunta:

Será vinho da Madeira ou da madeira? "Vou beber um madeira", "vou beber um cálice de vinho da Madeira (ou da madeira?)". Estão as duas frases correctas?
O mesmo para vinho do Porto;
O mesmo para Martini: vou beber um martini ou um Martini?
Muito grata pela atenção.

Resposta:

Devemos escrever vinho da Madeira e vinho do Porto (com maiúscula). O nome do vinho tem origem no nome da terra e mantém a maiúscula quando se utiliza a expressão «vinho de...», pois é aí nítida a presença da terra de proveniência do vinho ou associada ao vinho.
No caso de Martini, também devemos utilizar a palavra com maiúscula quando nos referimos à marca, que tem origem num apelido italiano.
Assim, estão correctas as expressões «um cálice de vinho do Porto», «um cálice de vinho da Madeira», «um cálice de Martini».
No entanto, também se usam as expressões «um porto», «um madeira», «um martini» (com inicial minúscula). Nestes casos, ocorre uma derivação imprópria, e o substantivo próprio (que se escreve com inicial maiúscula) dá origem a um substantivo comum (com inicial minúscula), que designa o cálice e seu conteúdo.

Pergunta:

Este tipo de dúvidas já me surgiu em várias situações, como "donde vieram" ou "de onde vieram".

Resposta:

Dependendo do contexto e do que pretende dizer, poderá utilizar um termo ou o outro.
A contracção da preposição de e do advérbio onde (donde) é utilizada vulgarmente quando se pretende indicar uma procedência, uma origem, uma causa, ou iniciar uma conclusão, como nos seguintes exemplos da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «Donde tanta desordem – donde tanta confusão no mundo? Sabeis donde?», António Vieira, Sermões, VII, 15, § 5, n.º 535, p. 505; «donde se conclui que é falsa a asserção». Também nas frases interrogativas se usa donde para indagar sobre a proveniência: «Uma carta que lhe dizia respeito! Donde viria?», Teixeira de Queirós, Ao Sol e à Chuva, cap. 17, p. 238.
No Dicionário da Língua Portuguesa Novo Aurélio Século XXI, registam-se exemplos em que donde indica a origem, a causa («Donde aquela magreza?»), mas também a conclusão, como sinónimo de daí: «É autor de categoria, donde a indicação de seu nome para o prémio literário.»
A locução adverbial de onde indica uma procedência espacial, significando apenas «de que lugar», «do qual lugar», «do lugar em que». Exemplos registados na enciclopédia acima referida: «Que se daqui escapar, que lá diante / Vá cair de onde nunca se alevante», Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 83; «... ninho preparado para a alegria, mas onde se agasalha a mágoa e de onde o homem deixa fugir as esperanças», António Austregésilo, Pequenos Males, p. 10; «... todos sentiam como se sente um perfume sem saber de onde ele vem». Assim, a locução de onde é sinónima de donde quando se refere a origem espacial,...

Pergunta:

Um milhão e meio de reais foi ou foram gastos nas reformas???

Resposta:

Considero que deverá ser utilizado o verbo no singular: «Um milhão e meio de reais foi gasto nas reformas.» ou «Foi gasto um milhão e meio de reais nas reformas.».
Esse singular da forma verbal decorre do facto de o sujeito (um milhão e meio) estar no singular.
Há, no entanto, gramáticos que defendem poder empregar-se nestas situações o verbo no plural (concordando com “reais”). Tratar-se-ia de uma silepse (concordância segundo o sentido, e não segundo a sintaxe), ou seja, a concordância do predicado não se faria com o sujeito, mas com outra palavra que desempenha a função de complemento daquela que exigiria a sintaxe. Neste caso, «de reais» é complemento determinativo (adjunto adnominal) de «um milhão e meio», e seria com essa palavra que o predicado concordaria.
Temos, pois, neste tipo de frases, duas possibilidades de construção, a que corresponde um diferente matiz de significação. Quando se utiliza o verbo no singular, salienta-se o conjunto, o colectivo, o todo (que é o sujeito); quando no plural, evidenciam-se os elementos que constituem o todo.
Neste caso particular, parece-me que o relevo é conferido ao milhão e meio no seu conjunto, e não aos reais, pelo que se me afigura preferível a manutenção da concordância sintáctica.