Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Apetece-me fazer-lhes uma pergunta precisamente sobre o verbo apetecer. Por exemplo na seguinte frase: «Ao Nuno apetece-lhe comer carne, mas àquela rapariga apetecem-lhe sardinhas.»
Penso que os sujeitos são carne e sardinhas, certo? Porque é que se usa ao mesmo tempo 'ao Nuno'/'àquela rapariga' e o pronome?
Percorri as minhas gramáticas todas e não encontrei referências a esta construção, que gostaria imenso de poder explicar aos meus alunos ingleses.
Desde já os meus agradecimentos pela ajuda.

Resposta:

1. Na primeira oração, o sujeito é “comer carne”: «Ao Nuno, apetece-lhe comer carne» = «Apetece ao Nuno comer carne» = «Comer carne apetece ao Nuno». Como o complemento indirecto “ao Nuno”, exigido pelo verbo apetecer, aparece no início da oração, diferentemente da construção directa da frase portuguesa (SVO), surge a repetição do complemento indirecto (o complemento indirecto pleonástico): “ao Nuno” e “lhe”.
Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (pág. 146 da 2.ª edição), é apresentado o seguinte exemplo, de Gilberto Amado: «Aos meus escritos, não lhes dava importância nenhuma.»
No que diz respeito à segunda oração, a justificação para a utilização simultânea de “àquela rapariga” e “lhe” é a mesma.
2. Gostaria ainda de referir que a frase que apresenta contém duas orações ligadas por coordenação, mas construídas de forma diferente. As construções que respeitam unidade de construção são:
a) «Ao Nuno, apetece-lhe carne, mas àquela rapariga apetecem-lhe sardinhas.»: o sujeito é um substantivo em cada uma das orações.
b) «Ao Nuno, apetece-lhe carne, mas àquela rapariga, sardinhas.»: por uma questão de elegância estilística, suprime-se o verbo “apetecer” na segunda oração.
c) «Ao Nuno, apetece-lhe comer carne, mas àquela rapariga apetece-lhe comer sardinhas.»: O sujeito em ambas as orações é constituído por uma expressão verbo + substantivo (“comer carne”, “comer sardinhas”).

Pergunta:

Na sua obra "L' explication en Psychologie sociale", Willen Doise propõe que se distinga, face a uma realidade complexa e única, quatro níveis teóricos: o nível interindividual e situacional (estudo dos processos que se desenrolam entre os indivíduos considerados como intermutáveis); (...)»
Que significado tem a palavra intermutável?

Resposta:

Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, o termo intermutável é assim referido: «Diz-se dos instrumentos mecânicos que se podem substituir reciprocamente», «intercambiável».
Assim, e com a ressalva de que apenas o conhecimento do texto integral poderá levar à compreensão total do significado de palavras e frases, interpreto que o autor diz que há processos que se desenrolam entre os indivíduos que são intermutáveis, ou seja, os processos de uns são adoptados pelos outros e vice-versa.

Pergunta:

Diz-se:
«É um dos elementos cheios de simbologia» ou «um dos elementos cheio de simbologia»?

Resposta:

Se se pretender dizer que há diversos elementos cheios de simbologia e que está a ser referido um deles, o adjectivo cheio irá para o plural, concordando com a palavra elementos. Esta é a construção mais frequente.
Poderá, no entanto, acontecer que se pretenda referir um elemento cheio de simbologia, diferente dos outros. Neste caso, o adjectivo irá para o singular, eventualmente fazendo até parte de um aposto, como por exemplo: «Observámos um dos elementos, cheio de simbologia, por sinal.»
Em conclusão, o adjectivo no singular diz respeito a um dos elementos, evidencia-o, ao contrário do que ocorre com o adjectivo no plural, que se refere a todos os elementos.

Pergunta:

Tenho visto e ouvido usar a conjunção "mas" frequentemente em conjunto com a também conjunção "no entanto": «Não foram encontradas armas de destruição massiva, mas, no entanto, os americanos persistiram em invadir o Iraque».
Esta frase parece-me pleonástica, portanto incorrecta. Já tenho mais dúvidas quanto à variante desta frase, também recorrente, em que com "mas", em vez de "no entanto" se usam locuções adverbiais como "apesar disso", ou "ainda assim". Nestas, não me parece que o "mas" faça falta, ou, sequer, dê jeito.
Peço que me esclareçam.

Resposta:

Mas é uma conjunção adversativa, e, no entanto, uma locução conjuncional sinónima de contudo, porém, todavia, não obstante, mas, pelo que não devem ser utilizadas conjuntamente. Como muito bem disse, trata-se de um pleonasmo.
As locuções apesar disso e ainda assim também significam não obstante, mau grado, a despeito de, ou seja, têm um valor semântico próximo de mas.
Poderá acontecer que num determinado contexto de intensificação de uma ideia adversativa ou concessiva, por liberdade poética, haja lugar a uma utilização simultânea da conjunção mas e as referidas locuções, mas normalmente tal construção é sentida como errada.

Cf. Virgula depois do “mas”?

Pergunta:

Como se classifica gramaticalmente a palavra "ares"?

Resposta:

A classificação gramatical pode ocorrer no âmbito de diversas áreas da gramática, nomeadamente a fonologia, a morfologia, a sintaxe. Penso que pretende saber qual a classificação morfológica da palavra ares. Trata-se de um substantivo comum, masculino, no plural. Poderá, ainda, ser classificado de substantivo concreto ou abstracto consoante o sentido em que for utilizado: concreto, por exemplo, se significar fluido gasoso; abstracto, por exemplo, se significar «semelhança» («Ele dá ares do pai.»).