Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

No "Jornal da Noite" da SIC de 16 de Março de 2007  foi noticiado que «o Governo português vai investir nove milhões de euros na promoção e realização de eventos no Algarve» e que, «para vender melhor a região, o Governo até aprova, e paga, uma mudança de nome de português para qualquer coisa tipo inglês: acrescenta-se um "...

Pergunta:

Assisti a um programa Cuidado com a Língua em que se esclarecia que, em palavras compostas, o plural era realizado apenas na primeira palavra.
No entanto, encontrei a palavra composta decreto-lei, em que tenho dúvidas como construir o seu plural.
Pensava que seria decretos-lei, como indicado no programa e penso que o mais correcto. No entanto, encontro nos próprios Diários da República oficiais a designação de decretos-leis, como assinalado em anexo.
Qual é a forma correcta?
Agradecia o esclarecimento.

Resposta:

O plural de decreto-lei é decretos-leis.

Trata-se de uma palavra composta por justaposição, formada por dois substantivos: decreto e lei.  Um decreto é um diploma emanado do poder executivo (o Governo); uma lei é um diploma emanado do poder legislativo (a Assembleia da República).

Os decretos são, pois, da responsabilidade do Governo. Há que considerar os decretos regulamentares, que são instrumentos normativos de grau inferior ao ocupado pelas leis, que visam pormenorizá-las e complementá-las com o intuito de viabilizar a sua aplicação ou execução, e há os decretos-leis, que são diplomas com força de lei, envolvendo matéria nova de direito, que o Governo pode fazer publicar sempre que as necessidades da administração pública o determinem.

Ora, no que diz respeito aos compostos formados por dois substantivos, podemos considerar duas situações:
a) os compostos formados por dois substantivos com o mesmo estatuto e idêntica contribuição para a interpretação semântica;
b) os compostos formados por dois substantivos em que o segundo funciona como determinante específico do primeiro, especificando-o, limitando-o ou referindo a sua função.

No primeiro caso, ambos os elementos flexionam. Exemplos:
(1) bilhete-postal, bilhetes-postais – trata-se simultaneamente de um bilhete e de um postal;
(2) surdo-mudo, surdos-mudos – a pessoa tanto é surda como muda;
(3) decreto-lei, decretos-leis – o diploma é simultaneamente um decreto (porque emanado do Governo) e ...

Na última página da edição de 14 de Março do jornal 24 Horas, Joaquim Letria escreve que o presidente do Uruguai «ficou muito impressionado com a doação, manifestou a sua gratidão, mas avisou que não quer caridade e que preferia ter sido melhor tratado no âmbito do Mercosul (…)».

TelejornalRTP 1, 13 de Março p. p. Numa peça sobre as reacções ao aparecimento do bebé de Penafiel, que tinha sido raptado do Hospital Padre Américo, o pivô José Alberto Carvalho quer saber o que dizia o hospital perante o desfecho do caso. O repórter no local respondeu deste modo: «O hospital resume em poucas palavras, mas que se pode traduzir numa única só: emoção, alegria, satisfação. Tudo adjectivos para um único sentimento.»

«É bom de ver à lupa os golos do Benfica ontem à noite no Estádio da Luz», ouviu-se numa notícia do Diário da Manhã da TVI (13 de Março p. p.).

Obviamente está a mais a preposição de. O sujeito do predicado «é bom» é toda a sequência «ver à lupa os golos do Benfica ontem à noite no Estádio da Luz»: «ver à lupa os golos do Benfica é bom».

Exemplos da mesma situação: «É bom recordar o passado» (= recordar o passado é bom); «é bom aprender a ler» (= aprender a ler é bom).