Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Será que posso classificar – no escuro – como uma locução adverbial?

Obrigado.

Resposta:

Uma locução adverbial é um conjunto de duas ou mais palavras que traduzem uma circunstância expressa por um advérbio. Estamos habituados a considerar como locuções adverbiais apenas certas expressões fixas como, por exemplo, ao longe, de manhã, de repente, com efeito, de modo nenhum, desta maneira, às claras, em primeiro lugar, de seguida, por fim.

No entanto, Evanildo Bechara considera como locução adverbial qualquer grupo constituído de preposição + substantivo que tenha o valor e o emprego de um advérbio. Nesse grupo, a preposição, funcionando como transpositor, prepara o substantivo para exercer uma função que primariamente não lhe é própria. E este gramático brasileiro apresenta diversos exemplos, de entre os quais selecciono "nesta semana" e "de espingarda ao ombro", que não são expressões fixas. Assim, pode classificar de locução adverbial a expressão "no escuro".

Pergunta:

A forma como nos exprimimos também segue tendências e modas de que, por vezes inadvertidamente, nos apropriamos sem a necessária ponderação.
Ultimamente, tenho ouvido, sobretudo nos meios de comunicação social, em anúncios publicitários, expressões como «Em primeiro o seu dinheiro». Não tenho conhecimentos que sustentem uma argumentação válida da dissonância
cognitiva que me causa tal frase. É apenas uma questão de sensibilidade, de ouvido, por isso, certamente pouco fiável.
A questão é esta: não deveria dizer-se «Primeiro o seu dinheiro»?
Obviamente, na primeira formulação,
subentende-se a palavra "lugar"; contudo, eu preferiria dizer «Em primeiro lugar o seu dinheiro ou «Primeiro, o seu dinheiro».
Gostaria de lê-los a este respeito.

Resposta:

A frase «Em primeiro, o seu dinheiro.» pertence a um texto publicitário. Como a consulente bem o diz, está aí subentendida a palavra "lugar", o que não me parece nada mal, pelo contrário. Na minha perspectiva, trata-se de uma construção que responde adequadamente às exigências deste tipo de discurso: uma frase nominal, concisa, elíptica, com equilíbrio entre os dois sintagmas e harmonia de sons decorrente da correspondência entre "primeiro" e "dinheiro", que desapareceria com a introdução da palavra "lugar" (uma das sugestões apresentadas pela consulente).
A outra sugestão que apresenta («Primeiro, o seu dinheiro.») é aceitável, embora haja uma maior desproporção entre o número de sílabas da primeira parte da frase e o da segunda, não havendo tanta harmonia a nível da cadência da frase.
Por razões de beleza e eficácia, no discurso publicitário permite-se o uso de recursos expressivos próprios do texto poético, bem como a sua liberdade formal.

Pergunta:

Tomei a liberdade de enviar este “e-mail”, para gentilmente pedir sua ajuda numa dúvida de gramática.
A quem se refere o sua nesta frase:
Havendo recusa ou mora do devedor, o credor requererá ao juiz que mande desfazer o ato à sua custa, respondendo o devedor por perdas e danos.
Esta frase foi retirada do artigo 643 do Cod. de Processo Civil. Alguns doutrinadores afirmam que sua refere-se ao credor outros ao devedor. Gramaticalmente qual seria o certo?
Certa de sua colaboração, desde já agradeço sua atenção.

Resposta:

Esta é uma frase à qual falta clareza, podendo tornar-se ambígua. O possessivo seu, sua relativo a uma terceira pessoa indica que algo (uma pessoa, um objecto, uma coisa, um animal, etc.) pertence a essa terceira pessoa (a ele, a ela, a eles ou a elas; é dele, dela, deles ou delas). Havendo três terceiras pessoas nesta frase (o credor, o devedor e o juiz), é natural que um leitor fique confuso. A quem se refere o “seu”?
Fazendo uma análise sintáctica simples da frase, se a considerássemos bem redigida, o “sua” referir-se-ia ao juiz. Mas, pelos outros dados da frase e do contexto, teremos de excluir o juiz. Assim, passamos à outra pessoa a quem esse “sua” pode ser atribuído: ao credor. Pela redacção da frase, nunca se pode atribuir o “sua” ao devedor.
Passo a explicar.
O possessivo concorda sempre com a coisa possuída e refere-se ao possuidor. Se o sujeito da oração for o possuidor, emprega-se seu, sua, seus, suas. Mas, se o sujeito da oração não for o possuidor, então, para se evitarem ambiguidades, emprega-se dele, dela, deles, delas.
No caso desta frase, considero-a mal redigida, o que dá azo à dúvida da consulente. O sintagma “à sua custa” pertence à oração “que mande desfazer o acto”. O sujeito (subentendido) de mandar desfazer o acto é o juiz: que o juiz mande desfazer o acto. Logicamente, esse “desfazer do acto” não poderá ser à custa do juiz. Acontece que a frase está mal redigida, pois a expressão “desfazer o acto” deveria ter o sujeito expresso, dado ele ser diferente do do verbo introdutor (“mande”). O juiz não pode mandar a si próprio desfazer um acto. Então, terá de se encontrar o sujeito desse desfazer do acto, para se saber à custa de quem o acto é desfeito.
Na relação de credor e devedor, parece lógico que quem praticou o acto foi o credor: o credor pratica um acto que alguém lhe fica a dever (o devedor). Nesta interpretação (e eu não sou jurista), se foi o cred...

Pergunta:

Será possível haver uma palavra que seja o antónimo de xenófobo? Era esta a
pergunta de um exame “ad hoc”, e sinceramente não me parece que haja uma palavra que signifique exactamente tal coisa...
Tolerante? Multi-racial? Multi-cultural?

Resposta:

O antónimo de xenófobo é xenófilo.
Xenófilo provém do grego xenóphilos, e xenófobo é formado de xeno- + -fobo.
Xeno- (do gr. Xénos) significa «estrangeiro, estranho».
-filo- (do gr. philos) e -fobo- (do gr. -phóbos) são elementos cultos de composição de palavras. Significam, respectivamente, «amigo» e «aquele que tem ou sente medo, terror, horror ou ódio».
Na composição das palavras, estes dois elementos "-filo-" e "-fobo-" têm uma relação de antonímia, assim como "-filia" e "-fobia".
Existem algumas palavras antónimas com estes elementos de formação, de que são exemplo: antropofilia e antropofobia; zoofilia e zoofobia; zoófilo e zoófobo; hidrófilo e hidrófobo.

Pergunta:

Reparei que os dicionários da Porto Editora e da Texto Editora apresentam cataplasma como um substantivo feminino.
No entanto, sempre ouvi as pessoas dizerem "o cataplasma", "aplica-se um cataplasma", etc.
Estamos perante mais um caso similar ao "o grama", em que a generalidade das pessoas usa habitualmente o género errado?
Muito obrigado.

Resposta:

A palavra cataplasma já existe registada no Vocabulário Português e Latino de Rafael Bluteau (1712), aí apenas como um substantivo feminino. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva (10.ª ed., 1949-1958), também a apresenta apenas como palavra feminina, bem como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001).
No entanto, o mais recente dos dicionários brasileiros (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) refere que a palavra é um substantivo de dois géneros, com as seguintes acepções:
1 Rubrica: farmacologia.
«papa medicamentosa feita de farinhas, polpas ou pó de raízes e folhas que se aplica sobre alguma parte do corpo dolorida ou inflamada».
2 Derivação: sentido figurado.
«pessoa frágil, débil».
3 Derivação: por analogia.
«pessoa de movimentos lentos e arrastados, sem energia».
4 Derivação: por analogia.
«peça dos arreios na qual se prendem as argolas por onde passam as guias das cavalgaduras».