Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«A pilha de jornais, ninguém os guardou.» A concordância do os com jornais também é aceite ou necessariamente deveria concordar com o núcleo pilha, apesar da idéia coletiva?

Muito obrigada.

Resposta:

A concordância correcta leva ao emprego do pronome a, concordando com o singular pilha (de jornais). Nesta frase, verifica-se o emprego do complemento directo pleonástico, ou seja, de um complemento directo repetido: «a pilha de jornais» está novamente referida por meio de um pronome, que deveria estar no feminino singular.

Se puséssemos a frase na voz passiva, não haveria dúvidas na concordância: «A pilha de jornais não foi guardada por ninguém.» Estaria incorrecta a frase *«A pilha de jornais não foram guardados.» Assim, advogo o emprego do pronome no feminino singular a, a concordar com pilha.

Pergunta:

Na frase: «Havia dez anos que eu não o via», qual a função sintáctica de dez anos e a função morfológica do que?

Resposta:

«Há dez anos que eu não o via» é uma forma enfática da frase «Eu não o via há dez anos», sendo, portanto, o que uma partícula de realce, dada a inversão da expressão «há dez anos».

Alguns estudiosos, entre eles Napoleão Mendes de Almeida, consideram as expressões «há muito», «há pouco», «há tempo», «há anos» locuções adverbiais de tempo em forma oracional, intercalada na oração (e não uma oração com predicado e complemento directo).

Se quisermos considerar «havia dez anos» como uma oração, o termo dez anos terá a função sintáctica de complemento directo.

Pergunta:

Examine-se a seguinte frase:

«Contou-me uma história, certamente verdadeira, não há razão para não sê-lo».

Gostaria de saber se é também viável a construção "para não sê-la".

A meu ver, o pronome "o" substitui uma frase implícita (ser verdadeira), e o pronome "a" substituiria apenas o adjetivo "verdadeira", podendo-se usar as duas formas. Isso está correto?

Obrigado.

Resposta:

«Contou-me uma história, certamente verdadeira, não há razão para não o ser.» seria a construção utilizada em Portugal.

Não é viável a construção "para não a ser", pois o pronome o substitui como que um indefinido (isso) que se reporta a toda a oração (ser verdadeira), o que leva à utilização do pronome na 3.ª pessoa do masculino singular.

Outros exemplos:

a) Elas são desconfiadas. Têm motivos para o serem.
b) Elas estavam contentes, mas não o demonstraram.
c) Elas são responsáveis; revelaram-no rapidamente.

Pergunta:

Tenho a seguinte dúvida, que muito agradeço o seu esclarecimento:

A frase «Que seria dessas crianças?» apresenta a concordância correta do verbo ser? Por quê? Qual é a função sintática de "dessas crianças" e como se classifica, quanto à transitividade, o ver ser?

Muito obrigada.

Resposta:

O verbo ser não está aqui utilizado na acepção de verbo copulativo de significação indefinida («ter uma determinada qualidade contida no predicativo»), mas, sim, com o significado de «acontecer, suceder, passar». Assim, esta expressão equivale a «Que aconteceria a essas crianças?», «Que sucederia a essas crianças?», «Que se passaria com essas crianças?».

Respondendo, então, ao que pergunta, direi que o verbo ser está correctamente utilizado na 3.ª pessoa do singular, pois concorda com o pronome que, seu sujeito.

A função sintáctica de “dessas crianças” é o complemento indirecto, e o verbo ser, aqui, é um verbo transitivo indirecto.

Pergunta:

O Dicionário Ortográfico da Língua Portuguesa – editado pela Academia das Ciências de Lisboa – só apresenta a forma verbal rerratificar, e não a forma re-ratificar (com hífen). Consoante o comentário abaixo transcrito, o correto seria re-ratificar para se expressar, concomitantemente, retificação e ratificação. Esse é o caso mais utilizado pelo judiciário e pelos Conselhos Administrativos de Julgamentos de Contenciosos, no Brasil. Ou seja: retifica-se o acórdão em face de alguma omissão ou obscuridade que nele se perceba, ratificando-se, entretanto, os demais termos da sentença.
Por favor, vejam os senhores os comentários abaixo (que não são meus):

Rerratificação

Pede a aluna e amiga O. Vieira uma explicação sobre a palavra 'rerratificação', que ela tem visto em documentos antigos escrita também de outras formas: re-ratificação e re/ratificação.
Esse termo normalmente é aplicado a convênios em que se deseja retificar alguma cláusula, ratificando o restante do documento. Portanto o 're' inicial é uma redução de 'retificar' e não o prefixo re ['repetição, movimento para trás'], como dá a entender a grafia 'rerratificação'. A princípio – ou para quem não é do ramo – parece que se vai fazer uma nova ratificação, o que seria uma redundância, já que ratificar quer dizer 'confirmar, corroborar, reafirmar'.
Pela lógica, então, seria correto escrever re/ratificação ou mesmo re-ratificação, como muito se fez quando o vocábulo não estava ainda dicionarizado. Agora que o Aurélio o registra com os dois rr (de acordo com a regra de composição do prefixo re), no entanto, é difícil mudar essa grafia. Mais fácil – e mais racional – seria denominar esse tipo de documento simplesmente de Termo de Retificação de Convênio (pois a ratificação é uma conseqüência óbvia).

Muito lhes agradeceria uma resposta conclusiva vazada na norma culta. Grato.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Novo Aurélio Século XXI, bem como o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ambos dicionários brasileiros, definem rerratificar e rerratificação como termos jurídicos, significando o primeiro «proceder à rerratificação de (certidão, contrato, etc.)», e o segundo a acção de rectificar em parte uma certidão, contrato, etc. e ratificar os demais termos não alterados. Assim, não me parece haver qualquer confusão a respeito do significado destas palavras e da sua formação. Aliás, tratando-se de termos específicos de uma determinada área de actividade ou saber, aos especialistas e utentes caberá a sua utilização e divulgação do significado. A substituição por um termo ou expressão equivalente pode sempre ocorrer, merecendo apenas o reparo de que a economia na utilização da língua leva normalmente à preferência por uma palavra em vez de uma expressão mais longa.

Finalmente, poderá dizer-se que o prefixo re- tem diversas acepções (e não apenas a de repetição), e que há muitas palavras começadas por re já assim formadas no latim, sem que essa parte da palavra tenha o sentido de repetição, pelo que também não me parece que as pessoas associem de imediato esse começo da palavra ao prefixo re- e seus significados.