Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber o seu parecer a respeito da construção em que um pronome demonstrativo é posposto a um substantivo. Em pesquisa pela rede, encontrei apenas a prescrição de que o pronome deve ser colocado no plural: «uma coisa dessas», «um absurdo desses». Dessa forma, não se explica nada. Ademais, no meu entender, a suposta incorreção do singular não se justifica; ao contrário, o singular parece-me mais lógico, visto que se pode subentender o substantivo tipo ou natureza após o pronome (a construção indica tipificação):

«Não diga um absurdo desse [tipo].»

Pesquisando nos livros, encontrei um item sobre o assunto na Gramática de Usos do Português, da linguista brasileira Maria Helena de Moura Neves. Conforme atesta a transcrição a seguir, a autora entende as duas formas (singular e plural) como possíveis:

«Como é que se passam coisas destas em sua casa, a cem metros da minha, e você não me chama, não me avisa?» (A viagem noturna. TEIXEIRA, M. L. São Paulo: Martins, 1965)

(destas = deste tipo)

«Pensava que Miguel morreria pelas suas mãos. Como se moldava um horror deste?» (O fiel e a pedra. LINS, O. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961)

(deste = deste tipo)

«Ciúmes de Bebel, pode uma coisas dessas?» (O sorriso do lagarto. RIBEIRO, J. U. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984)

(dessas = desse tipo)

«Eu podia ter quebrado o braço. Uma altura dessa!» (O fiel e a pedra. LINS, O. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961)

No português de Portugal, o pronome vai, de facto, para o plural. Consultando o Corpus do Português, não encontrei, em escritores portugueses, nenhuma abonação da construção com o pronome no singular. Já no Brasil surgem algumas ocorrências, como se verifica também pelos exemplos que o consulente apresenta, retirados da Gramática de Usos do Português, de Maria Helena de Moura Neves, segundo a qual «a referência com deste, desse ou daquele pospostos a um substantivo pode indicar tipificação, e, geralmente, com valor negativo».

Apesar de tais usos, o dicionário brasileiro Houaiss salienta, na entrada daquele, que a forma daqueles é usada no Brasil, num registo informal, «sempre no plural, como elemento intensificador de um substantivo, no sentido de "fora do comum, excepcional"», apresentando os exemplos «foi uma surra daquelas» e «está num dia daqueles».

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, não se refere especificamente a este tipo de construção, corrente em Portugal, mas apresenta os seguintes exemplos: «Com uma professora destas, será mais fácil gostar de estudar»; «Também, com um patrão destes, não admira que tenha problemas».

Pergunta:

Numa carta, é frequente o uso da vírgula na saudação «com os melhores cumprimentos» e outras similares que, em geral, antecedem a assinatura. Creio que esta utilização está incorrecta, uma vez que se trata de uma frase e o nome do autor da carta não faz parte dela. Será que estou correcta?

Resposta:

O habitual é usarmos vírgula na fórmula de despedida que antecede a assinatura, já que a própria fórmula está elaborada de forma a ser completada pela assinatura, ou melhor, a fórmula vai servir — para além do aspecto de cortesia — para introduzir a assinatura: 

Com os nossos cumprimentos,

 

Com os melhores cumprimentos, subscrevo-me, ….

 

Agradecendo a atenção prestada,

 

Sem outro assunto,

 

Atentamente,

 

Mas pode também acontecer o emprego de uma frase completa terminada com ponto final, seguida, simplesmente, da obrigatória assinatura:

 

 Apresentamos os nossos melhores cumprimentos.

Pergunta:

Qual a diferença entre polissemia e conotação?

Estas duas formas podem estar presentes na publicidade em simultâneo?

Obrigada.

Resposta:

A mesma palavra pode ter vários significados, por isso é polissémica. Desses significados, uns são denotativos, outros, conotativos.

Por exemplo, a palavra fosso é polissémica, pois pode significar: 1. «cova de profundidade variável»; 2. «escavação profunda e regular feita à volta de fortificações para impedir o acesso ou o ataque do inimigo»; 3. «Sulco feito no solo para escoar as águas; vala; valeta». 4. Figurado «distância grande entre pessoas ou coisas» (cf. Infopédia).

Os três primeiros significados são denotativos, ou seja, a palavra é utilizada em sentido próprio ou real. O último significado é conotativo, a palavra é usada em sentido figurado ou metafórico; o sentido conotativo surge por analogia com os significados anteriores.

Assim, ao conceito de conotação opõe-se o de denotação. A publicidade recorre muitas vezes aos sentidos conotativos, bem como ao jogo de palavras. Mas não há incompatibilidade entre polissemia e conotação.

Pergunta:

Estava lendo um livro de crônicas do escritor Machado de Assis intitulado A Semana, volume 2, publicado pela Editora Mérito, 1959, quando, na página 93, deparei com o seguinte período: «Desaparece o sacristão, e torna alguns segundos depois, acompanhando o padre.» O que o referido escritor quer nos transmitir apondo a vírgula antes da conjunção coordenada e? No meu modesto entendimento, concluo que tem a finalidade de dar ênfase à frase a qual inicia. Estou errado?

Grato.

Resposta:

Acontece por vezes a conjunção coordenativa copulativa e assumir outros valores, ainda que de forma esbatida. Poderíamos substituir na frase, sem perda de significado, o e por mas:

«Desaparece o sacristão, mas torna alguns segundos depois, acompanhando o padre.»

Nesta situação, a vírgula já se justifica, pois ajuda a marcar a oposição entre as duas orações («Desaparece o sacristão,»/«e torna alguns segundos depois»), que não deixa de existir quando se emprega a conjunção e. O autor realça, pois, esse contraste através da vírgula.

Começa a ser habitual ouvirmos o verbo socializar, em vez do termo de uso corrente conviver. No cinema ou na televisão portuguesa, já nos habituámos a ver, nas legendas, o verbo socializar, como tradução directa do inglês to socialize. Quanto aos jovens, deixaram de conviver. Agora socializam… Enfim, a moda pegou…