Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Minha dúvida é relacionada ao uso de vírgula para isolar o vocativo quando se usa uma interjeição. Por exemplo, o correto é escrever «Olá, Paulo! Tudo bem?», ou «Olá Paulo! Tudo bem?». Classifico a palavra olá como uma interjeição e, por isso, deduzo que o segundo caso esteja correto (sem vírgula), como ocorre nos exemplos da resposta da pergunta 9405. No entanto, na resposta da pergunta 15011, a palavra olá é separada do vocativo. Em outros sites da língua, também encontrei essa incoerência. Existe alguma diferença entre essas interjeições, ou minha compreensão está errada? Enfim, gostaria de saber se posso separar interjeição de vocativo e se a palavra olá é uma interjeição.

Obrigado!

Resposta:

Olá é uma interjeição que serve para chamar ou saudar e também indica espanto. Uma das funções da vírgula é isolar o vocativo, por isso deve haver uma vírgula entre olá e o vocativo, logo, a primeira frase é a que está correcta.

A interjeição de chamamento ó é um caso especial, pois ela faz parte do vocativo. Podemos chamar uma pessoa dizendo apenas o seu nome («Paulo, chega aqui!») ou juntando a interjeição ó («Ó Paulo, chega aqui!»). Assim, a seguir a ó não colocamos vírgula, mas a regra de isolar o vocativo é respeitada.

Pergunta:

Homem, com maiúscula designando o conjunto formado por todos os seres humanos, é nome comum, próprio, ou colectivo?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Homem, com maiúscula, enquanto «conjunto de todos estes seres vivos; espécie humana», sinónimo de Humanidade (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa), tem caraterísticas de nome próprio e coletivo.

De facto, e citando Maria Helena Mira Mateus et al., na sua Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., págs. 213-214, um nome próprio «designa rigidamente uma única entidade socio-culturalmente [sic] saliente», ou seja, «um nome próprio é sempre um designador de um único objeto identificado pertencente à classe dos objetos do universo de referência relativo a um dado discurso». Acrescenta-se ainda que «um nome próprio é sempre totalmente determinado: por essa razão, não admite complementos nem modificadores de valor restritivo. [… ] Quanto aos nomes próprios singulares, quando ocorrem no plural, não funcionam como nomes próprios […].

Se atentarmos na palavra Homem, enquanto sinónimo de Humanidade, podemos concluir que: designa uma entidade única — por oposição, por exemplo, à espécie animal — e coletiva, pois refere o conjunto de todos os seres vivos. Além disso, perde o seu sentido próprio e coletivo no plural (Os homens não se medem aos palmos) ou se antecedido do determinante indefinido (É um homem de poucas palavras). Também não admite complementos nem modificadores com valor restritivo sem que altere o sentido de substantivo próprio: «O Homem de que te falei está ameaçado

Enfim, e pese a dificuldade inerente à classificação de termos como este, a palavra em apreço reúne certamente caraterísticas que a distinguem do nome homem, comum e n...

Pergunta:

Desde já, quero enaltecer o que de bom têm feito para melhorar o meu português.

Queria colocar uma questão.

Que me podem dizer sobre o texto administrativo, quais as características, de que forma os podemos encontrar?

Muito obrigado.

Resposta:

O texto administrativo é um texto formal, que deve ser escrito com correcção gramatical, com clareza e objectividade, sem recurso a expressões de significado ambíguo e, de uma forma geral, sem mais palavras do que as estritamente necessárias.

A carta formal, o pedido de parecer, o requerimento, a carta comercial, o memorando, o relatório, a acta, a agenda ou ordem de trabalhos, a convocatória e o curriculum vitae inserem-se neste tipo de texto, e obedece, cada um deles, a uma estrutura própria que é preciso conhecer quando se pretende elaborá-los.

A obra que recomendo é A Dinâmica da Escrita Como escrever com êxito, de Zacarias Nascimento e José Manuel de Castro Pinto, Plátano Editora, Lisboa, que apresenta indicações precisas para a elaboração de vários tipos de texto, incluindo os do foro administrativo.

Pergunta:

Juro que já li muito sobre o que vou falar. Inclusive suas explicações. Mas não consigo achar a verdade sobre tal questão. Seguinte: em «O bobo do João chegou», por que motivo bobo é um substantivo para a análise de Celso Cunha, e para o Bechara é um adjetivo? Não entendo m-e-s-m-o.

Ajudem-me. Abraço.

Resposta:

Desconheço as análises a que se refere, mas a palavra bobo pode ser tanto adjectivo como substantivo, depende daquilo que se pretende significar. Como adjectivo, significa «maluco», «tolo». Como substantivo, significa «aquele que diverte os outros com os seus ditos e modos», «truão», «bufão».

Na frase em apreço, o sentido mais comum há-de ser o primeiro, como adjectivo, equivalente a: «o tolo do João já chegou». Há situações em que o adjectivo se pode ligar ao substantivo por meio da preposição de, como neste caso.

Agora, se bobo for um substantivo, isso quer dizer que o João tem alguém para o divertir, tem um bobo ao seu dispor (como antigamente os reis tinham). Aí — nesta situação hipotética — «bobo» será um substantivo, à semelhança do que acontece com a palavra filho na frase: «O filho do João já chegou.»

Pergunta:

Na frase «O longo braço da lei está cada vez mais curto», foi utilizada a linguagem metafórica, ou foi um erro gramatical para obter um efeito de coloquialismo? É possível distinguir as duas linguagens?

Obrigada.

Resposta:

Sim, trata-se certamente de linguagem metafórica, não vejo nenhum erro gramatical na frase. O «longo braço da lei» sugere que a lei tem um grande alcance, e em «está cada vez mais curto» parece estar implícita uma crítica a uma acção pouco eficaz desse mesmo braço, ou seja, da lei. Além da linguagem metafórica, pretende-se obter um efeito pela oposição entre os adjectivos «longo» e «curto».

A linguagem metafórica é aquela em que surgem palavras ou expressões que não são utilizadas no seu sentido próprio, mas no figurado, podendo, por isso, ter diferentes interpretações. A linguagem coloquial é uma linguagem própria do discurso oral, mais espontânea do que a do discurso escrito.

A linguagem metafórica, embora associada com mais frequência ao texto literário e às figuras de estilo, não deixa de estar presente em todas as situações em que se pretende obter um efeito expressivo da linguagem, sendo natural, por isso, que surja na linguagem coloquial.