Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«É importante calado se manter, quando (de) importante nada há que se dizer.»

Qual é a forma correta da sentença acima: com ou sem o de? Ou ambas as formas estão corretas?

Obrigado.

Resposta:

Na construção apresentada, é preferível o uso da preposição de antes do adjectivo. De facto, os elementos da frase não se encontram na ordem directa, e o que se pretende dizer é «quando não há nada (de) importante que se dizer». 

Em Portugal, a construção mais usada é a do pronome seguido da preposição e do adjectivo (nada + de + adjectivo). Note-se, porém, que, segundo Evanildo Bechara (cf. Lições de Português pela Análise Sintáctica, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 16.ª edição, pág. 76), também é aceitável a construção sem a preposição: 

«Nas palavras que exprimem quantidade pode-se usar ou não a preposição; neste último caso, ressalta-se o sentido partitivo: nada novo, nada de novo; alguma coisa extraordinária, alguma coisa de extraordinário; algo doloroso, algo de doloroso.» 

Mas neste caso específico, e porque os elementos da frase não se encontram na sua ordem directa, é mais fácil ligar o adjectivo, antecedido da preposição de, ao pronome nada. Desta forma, a frase torna-se mais clara e coesa.

Pergunta:

A expressão «asfixia democrática» está correcta? No sentido em que tem sido usada na campanha eleitoral [em Portugal], não seria mais correcto falar em «democracia asfixiada»?

Resposta:

Alguns adjectivos correspondem a locuções adjectivas, ou seja, a expressões constituídas pela preposição de e por um nome. 

Exemplos: «liberdade sindical» («liberdade de sindicato»); «opressão popular» («opressão do povo»); «revolução industrial» («revolução da indústria»); «derrota alemã» («derrota da Alemanha»); «amor paternal» («amor de pai»); etc., etc. 

É o que acontece com a expressão «asfixia democrática», que facilmente se substitui por «asfixia da democracia», e cujo significado, com a ajuda do contexto, é de imediato apreendido pelos falantes, como «restrição ao livre desenvolvimento ou actuação da democracia».

Pergunta:

Gostaria que observassem a frase: «No Sermão da Sexagésima, Vieira critica os padres que não "saem a semear", evidenciando a importância de se pregar longe do conforto da corte.» Nela, o emprego do gerúndio está correto? Disseram-me que é errado usar o gerúndio quando nos referimos a um acontecimento/fato/crítica passados. Contudo, se o meu texto é escrito no tempo presente, qual o problema?

Muito obrigada e parabéns pelo trabalho!

Resposta:

Está correcto o emprego do gerúndio, uma vez que este indica uma acção que é simultânea de outra, expressa pelo verbo principal: «… Vieira critica os padres… evidenciando [ao mesmo tempo que critica] a importância de...»

Pergunta:

Tenho analisado a regência do verbo respeitar, e tal suscita dúvidas!

Como se deve dizer, por exemplo:

1) «Esta conta respeita às compras efectuadas...», ou «... respeita as compras efectuadas...»? (em contabilidade)

2) «Respeita o teu pai e a tua mãe», ou «Respeita a teu e a tua mãe», ou, ainda, «Respeita ao teu pai e à tua mãe»?

Obrigado imenso!

Resposta:

A regência do verbo respeitar depende do significado com que é utilizado. 

Assim, com o significado de «ter respeito por», o verbo é transitivo directo e não pede preposição: «É necessário respeitar o ambiente.» «Respeita o teu pai e a tua mãe.» 

Com o significado de «ser relativo a alguma coisa», «dizer respeito a», o verbo é transitivo indirecto e rege a preposição a: «A questão do ambiente respeita a todos nós.» «Esta conta respeita às compras efectuadas…» 

N. B. – Nesta última frase, a preposição a está contraída com o artigo definido as (a + as = às). 

Pergunta:

Gostava de saber se devemos ensinar às crianças a letra c como cê ou quê, pois, quando dizemos o abecedário, dizemos «á, bê, cê».

Por outro lado, quando ensino o fonema c, digo o quê de cama e de carro.

Resposta:

Habitualmente ensina-se a pronúncia /cê/, e a criança aprende, em situação, a distinguir os sons /quê/ (c antes de a, o, u) e /cê/ (c antes de e, i). O mesmo acontece com a letra g, que a criança aprende a pronunciar /guê/, mas a saber distinguir, em situação, os dois valores, /guê/ e /gê/.

É normal haver alguma oscilação, no início da aprendizagem, na designação das letras, nomeadamente do f (fê/efe), do j (jê/jota), do l (lê/ele), do m (mê/eme), do n (nê/ene), do  r (rê/erre) e do s (sê/esse). Com o tempo e a prática, a criança acaba por aprender os nomes mais usuais das letras do alfabeto.