José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
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Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Permito-me discordar do nobre Professor José Neves Henriques quanto à resposta suscitada pela expressão acima. A meu ver, "anos sessentas" tem significado diferente de "sessenta anos". No primeiro caso, há substantivo funcionando como aposto, por isso, no plural; no segundo caso, trata-se, é claro, de numeral.

Os numerais, quando substantivados, como se sabe, formam plural.

Ex.: Escreveu muitos quatros no pedaço de papel.

Quantos noves há em noventa e nove? Há dois noves.

Assim também, 1960 foi um ano sessenta; 1961 foi outro ano sessenta. Aí já temos dois anos sessentas. Na verdade, de 1960 a 1969, há dez anos sessentas. Portanto, na minha opinião, a expressão "anos sessentas" (e não "anos sessenta", que o aposto deve concordar com o fundamental) é legítima.

Resposta:

Agradeço-lhe o ter discordado de mim, porque toda a discordância me leva a pensar e não raro a estudar. E é assim, estudando e pensando, que aprendo e progrido e me vou tornando mais capaz de ajudar o próximo. Vamos então ao caso:

Não me parece que seja conveniente, e muito menos necessário, dizermos «os anos sessentas», pelo seguinte:

a) Sessenta não precisa de plural, porque a noção de pluralidade já está no substantivo anos, que abarca sessenta.

b) De facto, anos sessentas tem significado diferente de sessenta anos, mas não o tem diferente de anos sessenta.

c) Ainda há bem poucos anos se dizia apenas anos sessenta, e toda a gente compreendia. É esta a maneira corrente de, em Portugal, nos referirmos aos anos que vão de 1960 a 1969 - e todos nos entendemos.

d) Conclusão: para quê anos sessentas, se não é necessária esta pluralização de sessenta?

e) Qualquer alteração de linguagem desnecessária pode causar confusão.

f) Só é digna de louvor uma alteração à linguagem corrente, quando ela consiste na emenda dum erro.

g) O dizer-se anos sessenta explica-se do seguinte modo: é o encurtamento da expressão anos [da década de] sessenta, tal como vapor (= barco) é encurtamento de [navio de] vapor. E muitos outros há.

h) O prezado consulente apresentou os seguintes exemplos para mostrar a substantivação dos numerais:

(a) Escrevo muitos quatros no pedaço de papel.

(b) Quantos noves há em noventa...

Pergunta:

Há dias vi numa legenda na TV a palavra «torácico»  num contexto relativo a tórax e pensei que fosse um simples engano. Voltei a ver essa palavra em contexto idêntico na revista Selecções do Reader's Digest e ficou-me a dúvida: esta grafia é correcta?

Resposta:

A forma torácico explica-se, porque provém do elemento de composição torac(o), do grego thórax, tórakos, peito, por intermédio do francês thoracique. Ao elemento torac(o), acrescentou-se o sufixo -ico, que traduz a ideia de participação, referência, relação.

CfTórax

Pergunta:

Em aditamento à minha pergunta anterior sobre os substantivos femininos que terminam em "-o", o substantivo "libido" é registado como masculino num dicionário e em outro como feminino.( Por exemplo, Novo Dic. Lello da Ling. Port. e Dic. Complementar da Ling. Port. registam-no como s.m e o Dic. Aurélio, como s.f.) Por outro lado há duas grafias "líbido" e "libido". Qual é mais corrente ou considerado mais correcto, em termos da norma?

Resposta:

Libido (bí), palavra grave, e não «líbido» (lí), palavra esdrúxula, como há quem diga, é feminina, porque provém do latim «libido», cuja sílaba bi é acentuada. É substantivo feminino, porque em latim também o é.

Pergunta:

Gostaria de obter informações sobre ortografia oficial. Por exemplo: Exma., Ilmo.,etc..

Vou fazer um concurso no próximo domingo...

Resposta:

A ortografia brasileira difere um pouquito da portuguesa. Por isso, deve ser estudada por livros brasileiros.

As abreviaturas de Excelentíssima e de Ilustríssimo escrevem-se assim: Ex.ma, Il.mo (com ma e mo em letras mais pequenas colocadas um pouco acima).

Não sei o que pretende que se lhe diga, com «etc.». Deseja ser informado
sobre abreviaturas de formas de tratamento? Aqui vão algumas:

Dom/Dona – D./D.ª

Senhor/Senhora – Sr./Sr.ª

Doutor/Doutora – Dr./Dr.ª

Monsenhor – Mons.

Madre – M.e (com e mais pequeno e colocado um pouco acima como o a de Dr. ª )

Sua Excelência – S. Ex.ª

Sua Excelência Reverendíssima – S. Ex.font ª Rev. ma (com o ma em letras mais pequenas e colocadas acima)

Sua Santidade – S. S.

Sua Alteza/Suas Altezas – S. A./SS. AA.

Sua Alteza Real – S. A. R.

Suas Altezas Reais – S.S. A.A. R.R.

N.E.: Digníssimo - Dig.mo

Pergunta:

A palavra educar, é claro, vem do latim.

O que eu gostaria de saber é quais os sentidos da palavra latina que deu origem a "educar".

A minha dúvida começa com a observação de que em francês a palavra educar significa também elevar (elevar inclusive o espírito).

E em português? Aí pensei em verificar a raiz latina.

Resposta:

O verbo educar provém do latim «educare», educar, instruir, ensinar, amestrar.

Significa, propriamente, tomar cuidado da educação, tanto no ponto de vista físico como moral.

Há quem relacione o latim «educare» com o latim «dux», aquele que conduz; o guia, o chefe. E também com o verbo latino «ducere», conduzir. Mas não é isso o que ensina o muito bom «Dictionnaire Étymologique de la Langue Latine -- Histoire des Mots», de A. Ernoat e A. Meiblet. Este menciona à parte «educare», sem relação com «dux» nem com «ducere». Mas há dicionários que relacionam «educare» com «ducere».

Segundo o «Dictionnaire», de Paul Rober, o francês «éduquer», também do latim «educare», significa «former par l'éducation», e não «elevar, inclusivamente o espírito». O mesmo dizem os dicionários de francês-português: educar, ensinar; amestrar.

O francês «élever» é que significa elevar, e também «tornar moral ou intelectualmente superior». Mas, etimologicamente, «élever» nada tem que ver com «ducere» nem com «dux».