Agradeço-lhe o ter discordado de mim, porque toda a discordância me leva a pensar e não raro a estudar. E é assim, estudando e pensando, que aprendo e progrido e me vou tornando mais capaz de ajudar o próximo. Vamos então ao caso:
Não me parece que seja conveniente, e muito menos necessário, dizermos «os anos sessentas», pelo seguinte:
a) Sessenta não precisa de plural, porque a noção de pluralidade já está no substantivo anos, que abarca sessenta.
b) De facto, anos sessentas tem significado diferente de sessenta anos, mas não o tem diferente de anos sessenta.
c) Ainda há bem poucos anos se dizia apenas anos sessenta, e toda a gente compreendia. É esta a maneira corrente de, em Portugal, nos referirmos aos anos que vão de 1960 a 1969 - e todos nos entendemos.
d) Conclusão: para quê anos sessentas, se não é necessária esta pluralização de sessenta?
e) Qualquer alteração de linguagem desnecessária pode causar confusão.
f) Só é digna de louvor uma alteração à linguagem corrente, quando ela consiste na emenda dum erro.
g) O dizer-se anos sessenta explica-se do seguinte modo: é o encurtamento da expressão anos [da década de] sessenta, tal como vapor (= barco) é encurtamento de [navio de] vapor. E muitos outros há.
h) O prezado consulente apresentou os seguintes exemplos para mostrar a substantivação dos numerais:
(a) Escrevo muitos quatros no pedaço de papel.
(b) Quantos noves há em noventa e nove? Há dois noves.
Salvo melhor opinião, tanto quatros como noves não são numerais, porque não se referem a quantidades. São, sim, nomes de algarismos; isto é, são os nomes daqueles dois desenhos que empregamos na escrita para significar quantidades.
Ora reparemos: tal como a palavra mesa não é uma mesa, mas apenas um conjunto de quatro letras que significa mesa e pode indicar determinada mesa, também quatro na frase (a) não é quantidade nem sequer se refere a determinada quantidade. Refere-se, sim, apenas àquela palavra quatro, composta de seis letras.
Na frase (b), é ainda mais evidente que nove não indica número, mas sim aquele seguimento de quatro letras (nove), que noutras frases pode ser um numeral. Essa evidência é-nos patenteada pelo único numeral existente nesse exemplo: dois. A palavra nove não é numeral, mas substantivo, como muito bem observou o prezado Fernando Bueno.
i) Salvo melhor opinião, em anos sessenta, o vocábulo sessenta não é substantivo, mas numeral, porque provém de «anos [da década de] sessenta», em que o vocábulo sessenta é um numeral que abrange o número de anos que vai de 60 a 69.
j) Certíssimo que «os numerais, quando substantivos» têm plural. Sim, mas para significar outra coisa. Deixam, pois, de significar número.
l) Não é verdade «que o aposto deve concordar com o fundamental». Dois exemplos:
(a) Este livro, belíssima obra, foi escrito por Fulano. Aqui, não concorda em género.
(b) Os Lusíadas, obra fundamental da literatura portuguesa, é um livro do mundo. Aqui, o aposto não concorda com o fundamental, nem em género nem em número.
Gratíssimo por ter discordado de mim. Nunca eu tinha pensado neste assunto.