José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
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Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que significa a palavra "ressaciado" e qual a grafia correta?

Resposta:

É o particípio passado de ressaciar (saciar de novo; consolar; dar resposta a).

Ressaciado significa, pois, que se ressaciou; muito saciado.

Ressaciar é um verbo derivado de saciar (fartar; satisfazer; encher; matar a fome) com o prefixo re- (repetição, intensidade).

Pergunta:

Numa das vossas respostas li que «na África morre-se de fome». Não deveria ser «em África»? E «em Espanha»? E «na Noruega»? Em ou na? Porquê e quando?

Resposta:

Tanto é correcto dizermos na África, na Espanha, como em África, em Espanha. Repare-se, por exemplo, como diz Camões n´Os Lusíadas:

a) «E, como por toda África se soa,
   Lhe diz, os grandes feitos que fizeram.»
   (Canto II, 103)

b) «Virá despois Menezes, cujo ferro
   Mais na África, que cá, terá provado;»
   (Canto X, 53)

Com o topónimo Espanha, acontece o mesmo:

c) «Ouvido tinha aos Fados que viria
   Hua gente fortíssima de Espanha;»
   (Canto I, 31)

d) «Hum Rei, por nome Afonso, foy na Espanha»
   (Canto III, 23)

Se há topónimos que se podem empregar ou não com artigo, outros há com os quais é obrigatório o artigo; e outros com os quais é obrigatório não o empregar. Exemplos:

e) Estou no Porto/na Covilhã/no Brasil/no Japão/na Noruega/no Lobito.

f) Estou em Lisboa/em Coimbra/em Maputo/em Israel/em Portugal.

Estes topónimos de f), porém, são precedidos de artigo, quando este restringe o significado do topónimo, isto é, quando nos referimos, por exemplo, a uma Coimbra especial, a um Portugal especial:

g) A Coimbra dos estudantes é bela.

h) O Portugal dos Descobriment...

Pergunta:

Vendo e ouvindo futebol, na rádio e via TV, descobri que já não se diz que a bola foi dirigida à baliza, mas "direccionada"; que o jogador x está bem "posicionado" (em vez de colocado), com uma "postura" assim ou assado. Tem isto algum sentido?

Resposta:

  1. Direccionar é palavra correcta, mas usada no Brasil e já entre nós. Significa "dar direcção, orientação a; encaminhar, orientar, dirigir."
  2. Posicionar é palavra correcta, do latim positione(m), posição+are, sufixo que forma o infinito dos verbos. Também muito usada no Brasil. Quer dizer: "pôr em posição; tomar posição, situar-se".
  3. Postura - palavra antiga em português. Já Camões a empregou n'Os Lusíadas. Significa atitude de corpo, posição.

São palavras vindas do Brasil, correctas mas dispensáveis.

Pergunta:

Tenho muita pena mas a resposta a esta questão vem errada.
Os "SD" não são "sociais".
Ao contrário dos "democratas-cristãos" que são ambas as coisas (democratas e cristãos), os SD apenas advogam a preocupação do "social", o que é bem diferente.
Deste modo, os SD não são democratas e sociais.
Portanto, o único plural admissível do qualificativo "social-democrata" só pode ser "social-democratas".

Resposta:

1 – Ainda os sociais-democratas

Uma coisa é o significado e o sentido duma palavra; outra, a ortografia dessa palavra. Por isso, não vem a propósito o confronto entre democratas-cristãos e sociais-democratas no tocante ao que significa cada uma das palavras.

Dizemos assim: O João é um social-democrata. A presença do artigo um/o exige um substantivo por ele regido que, neste caso, é democrata. Tanto assim que poderíamos dizer também: "O João é um democrata-social".

Sendo democrata substantivo, social é adjectivo. Como o adjectivo tem forçosamente de concordar com o substantivo, diremos os sociais democratas: O João e o Pedro são sociais-democratas.

Quem não concordar, pode ripostar dizendo: "Nada disso! Social e democrata são substantivos."

Pensando assim, temos que os substantivos compostos por dois substantivos não aglutinados - é o caso de social-democrata - formam o plural tomando ambos a desinência -s. Qualquer boa gramática do antigo ensino primário diz isto mesmo.

Deste modo só podemos dizer em linguagem correcta: "O João e o Pedro são sociais-democratas."

Para terminar, não é preciso comparar o sentido de social-democrata com o de democrata-cristão. Basta dizer ao consulente António Jorge Branco que tome um avião para a França, cujos naturais prezam mais a sua língua do que nós a nossa, e que organize um comício contra eles por dizerem "sociaux-démocrates".

A grafia...

Pergunta:

'Mais bem' ou' melhor'?

'Mais mal' ou 'pior'?

Resposta:

Tanto é correcto mais bem como melhor. Mas é preferível usar-se mais bem, quando estas duas palavras formam corpo: mais bem feito. É como se disséssemos: feito mais bem. Costuma-se usar esta construção com o particípio passado dos verbos.

Com mais mal e pior, dá-se o mesmo: "Mais mal feito" é preferível a "pior feito", porque é como se disséssemos: "Feito mais mal", em que "mais mal" forma corpo, forma uma unidade.

Cf. Mais bem vs. melhor