Pergunta:
"Não poderá tratar de quaisquer dos tópicos citados em seu requerimento..." este exemplo apresenta o uso do indefinido "qualquer" como Item de Polaridade Negativa (IPN), como se chama na área da Linguística Cognitiva. Não por coincidência, lembra o uso de outro IPN, "algum(a)" indefinido também aceito como sinónimo de "nenhum(a)" quando o contexto já é estabelecido como negativo, por exemplo na frase "NÃO vejo forma ALGUMA de...", em lugar de "não vejo nenhuma forma de..." (com inversão do substantivo e do adjetivo, no caso).
Parece-me provável que exista (ou que já existiu na história da língua) uma relação entre "qualquer" e "algum" como IPNs. (1) Os dois são indefinidos; (2) aos dois faltam morfologia típica de formas tipicamente negativas; (3) o significado básico, usual dos dois é afirmativo; e (4) os padrões estabelecidos pelo uso permitem que os dois apareçam em contextos obviamente negativos.
Tudo isto leva a crer que a relação entre "algum" e "qualquer" não é completamente por acaso, embora seja um vestígio de um processo que já não é mais produtivo em português.
Outros Itens de Polaridade Negativa em português, mas no nível da locução:
"ter um tostão" (no sentido de estar sem dinheiro),
"ter onde cair morto" (= ser pobre) ,
"saber fazer um 'o' com um copo" (= ser burro),
"juntar lê com crê" (idem).
Como "qualquer" e "algum", estas locuções recebem um sentido especial em contextos negativos.
Às vezes na prática, no ato de falar, manifestam-se processos linguísticos e cognitivos (como o da analogia) que os dicionários e as gramáticas populares nem sempre levam em conta. É através desses processos que...
Resposta:
Frases apresentadas:
(a) Não poderá tratar de quaisquer dos tópicos citados em seu requerimento...
(b) Não vejo nenhuma forma de...
Outras frases:
(c) Não vejo forma nenhuma de...
(d) Não vejo alguma forma de...
(e) Não vejo forma alguma de...
Podemos dizer que as frases (b) e (d) têm o mesmo significado, porque a negativa «Não vejo» nega a existência de alguma forma.
Na frase (b), temos uma negação pleonástica com o fim de reforçar essa negação. Note que esta força/intensidade é mais enérgica na frase (c) do que na frase (b). É mais intensa, porque, geralmente, fazemos pausa em nenhuma. Essa pausa reforça a visualização e a concepção da não existência - do nada.
Sendo esta a posição psicológica do emissor e do receptor, e como o valor semântico de alguma não raro está muito próximo do de nenhuma, porque, frequentemente, significa um quase nada, isto é, uma quase não existência, compreende-se que, na frase (e), o indefinido alguma passasse a ter o valor de nenhuma. Para tal, poderia ter contribuído também o facto de o advérbio alguma estar, na pronúncia, um tanto próximo de nenhuma. E além de ambos possuírem três fonemas idênticos, têm outra particularidade que os aproxima - é a rima.
Talvez que estas aproximações tenham contribuído para que alguma passasse a ter o valor de nenhuma, porqu...