José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
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Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a diferença semântica entre uma pergunta com «é que» e sem «é que» em perguntas do tipo:

a) Porque é que perguntaste isso? versus
b) Porquê perguntaste isso?

Resposta:

É que é uma expressão de realce. Serve para realçar o que se diz. Dá mais força, mais intensidade à afirmação que se faz. Suponhamos as frases seguintes:

1) Eu não vou lá.

2) Eu é que não vou lá.

A frase 2) é uma frase de sentido mais intenso, mais forte, mais decisivo do que o da frase 1).

Em vez de é que, podemos dizer foi que.

3) Ele fez isso.

4) Foi ele que fez isso.

Pergunta:

Os treinadores de futebol (ou de qualquer outra modalidade desportiva) contam, nas suas equipas, adjuntos, que vão de um, dois ou mais, incluído o preparador físico. Mas há, quase sempre, o nº 2, que é comum nomear-se o treinador-adjunto (com ou sem hífen) Fulano de Tal. Tenho um diferendo com colegas da redacção em que eu acho que não deve levar hífen, neste caso (igual a quando se refere "o treinador principal / secundário"), enquanto outros colegas sustentam o contrário (que o adjunto aqui tinha a mesma função, por exemplo, do que tem na frase "cirurgião-chefe", logo com hífen. Quem tem razão?

Resposta:

Não é fácil dizer se esta denominação se escreve ou não sem hífen. E não admira, porque não temos estudo tão vasto como o da Língua Portuguesa.

Emprega-se o hífen, quando «o conjunto dos elementos forma um sentido único ou uma aderência de sentidos», conforme ensina o "Acordo Ortográfico" em vigor.

Não parece que em treinador adjunto exista um tal «sentido único» e uma tal «aderência de sentidos», que vemos e sentimos em «cirurgião-chefe». Basta verificarmos que cirurgião-chefe é um cargo permanente, com uma profissão, o que não se dá, penso eu, com o treinador-adjunto. Estes dois vocábulos parece não formarem uma unidade tão coesa como a de cirurgião-chefe. Mas os desportistas sabem isto melhor do que eu.

Se o treinador-adjunto for um cargo, consideramos adjunto como um substantivo. Então escreveremos treinador-adjunto. Mas se o vocábulo adjunto for um qualificativo de treinador, será adjectivo, e então escreveremos treinador adjunto, tal como treinador principal / secundário. E tudo isto, porque a palavra adjunto tanto pode ser um substantivo como um adjectivo. Os desportistas sabem isto melhor do que eu. É qualificativo ou não?

Pergunta:

Ouvi na RTP empregarem a palavras rebaixas, em vez de saldos. É correcto ou trata-se de um espanholismo?

Resposta:

De facto, "rebaixas" é cópia servil do espanhol "rebajas". Em português, dizemos saldos. Os locutores e jornalistas da rádio e da TV são especialistas em danificar a língua.

Pergunta:

Hoje de manhã ouvi na rádio, a propósito da Volta a Portugal em bicicleta um jornalista a dizer: «'o fulano de tal' vai a 1 minuto e 1 segundo do/( e depois emendou para) da camisola amarela.»
Gostaria de saber qual a forma correcta de designar o vencedor e já agora porque é que se chama «camisola amarela».

Resposta:

Diz-se «o camisola amarela», e não «a camisola amarela», porque a referência não é à camisola amarela, mas «ao corredor que vai de camisola amarela». Subentendem-se as palavras que, na frase seguinte, vão entre colchetes: «o (corredor de/da) camisola amarela».

São muito vulgares em português os casos em que o artigo masculino não concorda com a palavra que se lhe segue, mas com uma palavra/ideia que se subentende ou que subjaz em nossa mente:

1) O Notícias [ = O (Diário de) Notícias].

2) O União [= (clube) União].

3) A Cais [= A (revista) Cais].

Em alcunhas, como:

4) O Galinha, o Orelhas, o Salsichas.

Em designações de qualidades:

5) Ele é um galinha, um truta, um águia.

Nos casos 4) e 5), o artigo concorda com a ideia que nos subjaz na mente; isto é, como o ser masculino que tem determinadas qualidades/ particularidades que vemos na galinha, nas orelhas, nas salsichas, na truta, na águia.

Também se emprega correctamente o artigo substantivando frases:

6) Ele é um Nossa Senhora não te rales.

7) És um faz-tudo.

O tal chama-se «o camisola amarela», porque traja uma camisola daquela cor como indicativo do que é o corredor que fez em menos tempo os quilómetros percorridos até aquele momento.

Cf....

Pergunta:

Serão correctas e de significado comum as duas expressões:

A) - O responsável do clube é o senhor...
B) - O responsável pelo clube é o senhor...

Resposta:

Conforme ensina o "Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjectivos" de Francisco Fernandes, tanto é correcto «o responsável pelo clube» como «o responsável do clube». Sendo assim, empregue-se a sintaxe que melhor agradar.