F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010)
F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010)
114K

Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca (Lisboa, 1922 – Lisboa, 2010) Dicionarista, foi colaborador da Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e da atualização do Dicionário de Morais, membro do Comité International Permanent des Linguistes e da Secção de História e Estudos Luso-Árabes da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio de Honra da Sociedade da Língua Portuguesa e da Academia Brasileira de Filologia. Antigo decano dos professores do Colégio Militar, era licenciado, com tese, em Filologia Românica, distinguido com a Ordre des Palmes Académiques. Autor de várias obras de referência sobre a língua portuguesa, entre as quais O Português entre as Línguas do Mundo, Noções de História da Língua Portuguesa, Glossário etimológico sobre o português arcaico, Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores Galego-Portugueses, O Português Fundamental e O Ensino das Línguas pelos Métodos Audiovisuais e o Problema do Português Fundamental. Outros trabalhos: aqui.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a forma certa: «estarei presente na reunião» ou «estarei presente à reunião»?

Resposta:

Estar presente em e não a, logo «estarei presente na reunião». Como se sabe é em a preposição que indica «lugar onde» e não a, que denota «lugar aonde» ou «para onde».

 

N. E. (atualização em 12/02/2019) – Ao contrário do que se afirma na resposta, «estar presente a» é uma expressão correta, conforme atesta o seu registo no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático (Livraria Chardron de Lello e Irmãos Editores, 1985): «presente a, estar: será servido um jantar no palácio, ao qual estará p[resente] todo o corpo diplomático; estavam p[resentes] à cerimónia da posse altas individualidades do país (assistiram a).» A mesma fonte tem também entrada para presente, a (««presente à sessão estava o Governador Civil de Lisboa»). A construção «presente a» encontra-se igualmente nos autores literários dos séculos XIX e XX; exemplos: «Erguendo-os ao céu, murmurou, dirigindo-se talvez à imagem da mãe, presente à sua imaginação: — Obrigada! Obrigada! [...]» (Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, 1868); «Há uma vida atrás da vida, uma irrealidade presente à realidade, mundo das formas de névoa, mundo incoercível e fugidio, mundo da surpresa e do aviso.» (Vergílio Ferreira,

Pergunta:

Observe-se o trecho abaixo, tirado de uma coluna de jornal:

" Não dá mais para agüentar. É demais. Quase todos os dias se lê no jornal, se ouve no rádio e na televisão que a maior causa de mortes de jovens no Brasil são os acidentes de trânsito. Por trás dessa pseudoverdade se esconde uma armadilha: é evidente que a causa mais freqüente de mortes de jovens «sejam» os acidentes de trânsito, os jovens são muito mais fortes e saudáveis do que os velhos, dificilmente os jovens morrem por doença, ora bolas!"

Tudo isso para que me digam então se está correto o emprego daquele «sejam» na frase " é evidente que a causa mais freqüente de mortes de jovens «sejam» os acidentes de trânsito".

Parece-me que esse verbo "ser" deveria ter sido conjugado no presente do "indicativo" em vez do subjuntivo; expressa a frase não uma dúvida, mas uma "certeza" com a expressão "é evidente" colocada logo de início.

Muito obrigado.

Resposta:

Estou completamente de acordo consigo, em especial por causa do é evidente, como muito bem assinalou. Não há, de facto, qualquer dúvida que justifique aqui o conjuntivo (como dizemos em Portugal).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a diferença entre coerência textual e coesão textual.

Resposta:

Literariamente, coerência é o conjunto de factores semânticos e pragmáticos que definem a estrutura profunda de um texto, enquanto coesão consiste no conjunto de dependências lexicais e gramaticais que caracterizam a estrutura de superfície de um texto. Para lhe facilitar o estudo, explico que a estrutura profunda é aquela subjacente à frase e representa mais claramente as relações sintácticas que a estrutura de superfície e lhe determina o sentido; por exemplo, a estrutura profunda parafraseada de João promete à Maria o seu regresso é «João promete alguma coisa à Maria», «João regressará». Este tipo de análise em dois níveis permite dar conta do facto de, semanticamente, João ser o sujeito de regressar.

Pergunta:

Percorrendo as muitas respostas em arquivo na vossa excelente página encontrei várias que tentavam resolver o problema da utilização correcta da palavra «despoletar». A maior parte dos falantes de português diria que «despoletar» significa, entre outras coisas, «desencadear», «dar início a», geralmente por desconhecimento da palavra que deveria efectivamente ser usada nesses casos («espoletar») e de que só me ocorre um exemplo de uso correcto nas minhas muitas leituras (em Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço). Dada esta situação, o problema que frequentemente se me coloca na minha profissão (tradutor) é não o de saber qual a palavra certa a utilizar (sempre conheci «espoletar» e o seu uso correcto) mas sim o de temer utilizá-la por receio de que os receptores julguem tratar-se exactamente do contrário. Chego a perguntar-me se não será melhor seguir o rebanho e tornar certo o que era errado por se tratar de expressões cunhadas pelo (mau) uso.

O mesmo se aplica ao uso (incorrecto?) dos adjectivos e substantivos «holandês», «flamengo», «Holanda» e «Flandres». Esse uso está já de tal modo generalizado (exceptuados os textos oficiais) que desesperei há muito da sua correcção e me pergunto (e a vós) se será legítimo aceitá-lo, na linguagem corrente, em virtude da sua difusão. O nome oficial do país a que habitualmente se chama «Holanda» é (Reino dos) Países Baixos, não passando a Holanda de uma das províncias (actualmente dividida em Holanda do Norte e Holanda do Sul). Dizer «Holanda» para designar todo o país é sinédoque justificada pela preponderância daquela província em termos económicos, culturais e políticos sobre todas as outras desde o século XVI até ao presente. «Flandres» era originariamente um condado vassalo da França, que se destacou pelo seu poderio económico e político na Idade Média. Vários documentos medievais portugueses referem-se a toda a região dos Países Baixos como Flandres, ...

Resposta:

Tudo quanto escreve está praticamente correcto, por isso limitar-me-ei a algumas precisões apenas. Em português, como sabe, o nome corrente da língua dos Países Baixos (em Portugal mais conhecidos por Holanda) é holandês. Neerlandês é pouco usado entre nós. O flamengo (vlaamsch na original) é basicamente um dialecto frâncico, estreitamente aparentado com o holandês (ou neerlandês, se preferir). Depois de ter estado adormecido por 300 anos, foi feito reviver por escritores no universalmente nacionalista século XIX, apoiando-se tanto no antigo dialecto flamengo como no holandês literário. A ortografia é mais arcaica, e mantêm-se três géneros (o holandês tem dois, e o seu derivado africanense, o Afrikaans, até estes fez amalgamar-se). Os flamengos agarram-se tenazmente à sua linguagem para preservá-la da intromissão do francês (ao sul) e do holandês (ao norte). Este último vai ganhando terreno, mas a Universidade de Ganda mantém-se um bastião da aprendizagem e cultura distintamente flamengas. O holandês (com o flamengo) pertence ao ramo germânico ocidental da família das línguas indo-europeias, tal como o Afrikaans.

 

N.E. (janeiro de 2020)  Com a mudança do nome oficial da Holanda para Países Baixos, o seus cidadãos passaram-se a denominar-se neelandêses.

Os melhores dicionários de português *

O primeiro dicionário português data de 1569 e teve sete edições até 1694. É da autoria do célebre humanista Jerónimo Cardoso, denomina-se Dicionário Latino-Lusitânico/Lusitânico-Latino (traduzimos o título) e contém cerca de seis mil termos ou frases latinas com a tradução portuguesa. De 1551 a 1570, J. Cardoso escreveu diversos dicionários do género. A nossa lexicografia começa assim logo no século XVI.