Pergunta:
Percorrendo as muitas respostas em arquivo na vossa excelente página encontrei várias que tentavam resolver o problema da utilização correcta da palavra «despoletar». A maior parte dos falantes de português diria que «despoletar» significa, entre outras coisas, «desencadear», «dar início a», geralmente por desconhecimento da palavra que deveria efectivamente ser usada nesses casos («espoletar») e de que só me ocorre um exemplo de uso correcto nas minhas muitas leituras (em Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço). Dada esta situação, o problema que frequentemente se me coloca na minha profissão (tradutor) é não o de saber qual a palavra certa a utilizar (sempre conheci «espoletar» e o seu uso correcto) mas sim o de temer utilizá-la por receio de que os receptores julguem tratar-se exactamente do contrário. Chego a perguntar-me se não será melhor seguir o rebanho e tornar certo o que era errado por se tratar de expressões cunhadas pelo (mau) uso.
O mesmo se aplica ao uso (incorrecto?) dos adjectivos e substantivos «holandês», «flamengo», «Holanda» e «Flandres». Esse uso está já de tal modo generalizado (exceptuados os textos oficiais) que desesperei há muito da sua correcção e me pergunto (e a vós) se será legítimo aceitá-lo, na linguagem corrente, em virtude da sua difusão. O nome oficial do país a que habitualmente se chama «Holanda» é (Reino dos) Países Baixos, não passando a Holanda de uma das províncias (actualmente dividida em Holanda do Norte e Holanda do Sul). Dizer «Holanda» para designar todo o país é sinédoque justificada pela preponderância daquela província em termos económicos, culturais e políticos sobre todas as outras desde o século XVI até ao presente. «Flandres» era originariamente um condado vassalo da França, que se destacou pelo seu poderio económico e político na Idade Média. Vários documentos medievais portugueses referem-se a toda a região dos Países Baixos como Flandres, ...
Resposta:
Tudo quanto escreve está praticamente correcto, por isso limitar-me-ei a algumas precisões apenas. Em português, como sabe, o nome corrente da língua dos Países Baixos (em Portugal mais conhecidos por Holanda) é holandês. Neerlandês é pouco usado entre nós. O flamengo (vlaamsch na original) é basicamente um dialecto frâncico, estreitamente aparentado com o holandês (ou neerlandês, se preferir). Depois de ter estado adormecido por 300 anos, foi feito reviver por escritores no universalmente nacionalista século XIX, apoiando-se tanto no antigo dialecto flamengo como no holandês literário. A ortografia é mais arcaica, e mantêm-se três géneros (o holandês tem dois, e o seu derivado africanense, o Afrikaans, até estes fez amalgamar-se). Os flamengos agarram-se tenazmente à sua linguagem para preservá-la da intromissão do francês (ao sul) e do holandês (ao norte). Este último vai ganhando terreno, mas a Universidade de Ganda mantém-se um bastião da aprendizagem e cultura distintamente flamengas. O holandês (com o flamengo) pertence ao ramo germânico ocidental da família das línguas indo-europeias, tal como o Afrikaans.
N.E. (janeiro de 2020) — Com a mudança do nome oficial da Holanda para Países Baixos, o seus cidadãos passaram-se a denominar-se neelandêses.