Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
66K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O que é mais correto dizer: «Quantos de nós gostariam», ou «Quantos de nós gostaríamos»?

Resposta:

São possíveis/corretas as duas formas — «Quantos de nós gostariam» e «Quantos de nós gostaríamos».

Segundo os gramáticos Cunha e Cintra, «o verbo pode ficar na 3.ª pessoa do plural ou concordar com o pronome pessoal que designa o todo», quando «o sujeito é formado por algum dos pronomes interrogativos (quais?, quantos?), dos demonstrativos (estes, esses, aqueles) ou dos indefinidos do plural (alguns, muitos, poucos, quaisquer, quantos, vários), seguido de uma das expressões de nós, de vós, dentre nós ou dentre vós» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 500).

Pergunta:

Há casos em que seja correcto escrever «mal tratado», em vez de «maltratado»?

Se eu escrever «O suspeito foi maltratado na polícia», estou a dar a entender que ele foi agredido. Querendo apenas afirmar que foi tratado mal (com falta de educação, por exemplo), posso optar por «O suspeito foi mal tratado na polícia»?

Resposta:

Maltratado é simultaneanente um adjetivo e o particípio passado do verbo maltratar, caso que é frequente, pois «muitos particípios verbais funcionam sintaticamente como adjetivos, surgindo em posição predicativa ou atributiva e podendo ser modificado por expressão de grau» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 374).

Como adjetivo, maltratado designa «vítima de maus-tratos; espancado; tratado com agressividade, por palavras ou atos; danificado pelo mau uso». Portanto, o seu significado implica ter sido alvo/objeto de agressões físicas ou verbais, não se restringindo à ideia da violência física.

De qualquer modo, há diferença entre o adjetivo maltratado e a estrutura constituída pelo advérbio mal e pelo verbo tratar. De regra, os «advérbios de modo (como é o caso de mal) colocam-se normalmente depois do verbo (que modificam)» Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 542). Por exemplo:

«A polícia tratou-o mal.»

«Ele foi tratado muito mal pela polícia.»

Assim, se nos quisermos referir ao estado de alguém, caraterizando-o, a forma correta será malltrado. Se se quiser referir ao verbo, dever-se-á colocar o advérbio mal após o verbo.

Pergunta:

Quanto à regência do verbo concernir, que é indireto em sua transição, compreende-se que se use «lhes concerne» em lugar de "os concerne".

Mas que fazer no caso da primeira pessoa do plural? Posso dizer «o que nos concerne» tão corretamente quanto diria «o que concerne a nós»?

Resposta:

Tal como o consulente diz, o verbo concernir (= «dizer respeito») é transitivo indireto, o que implica que ou ocorre com a preposição a (que introduz o complemento indireto) ou com as formas do complemento indireto do pronome pessoal (me, te, lhe, nos, vos, lhes). São exemplos as seguintes frases (cf. Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, da Texto Editores):

«O colóquio foi um sucesso, sobretudo no que concerne à participação de especialistas.»

«Estes assuntos não nos concernem.»

Por isso, não há dúvida de que a frase «o que nos concerne» está correta.

Pergunta:

Gostaria de saber se na expressão «Atenta ao e-mail enviado no passado dia 19», e sendo o sujeito feminino, se se conjuga o atenta ou se escreve atento, no sentido de «tendo em atenção».

Resposta:

Tudo depende da classe de palavras que estiver a utilizar e, naturalmente, do sentido que queira dar à frase, ou, melhor, do seu contexto.

Se, na frase «Atenta ao e-mail enviado no passado dia 19», o termo atenta for um adjetivo, a frase está correta porque é usada a preposição a (respeitando a regência deste adjetivo) e partindo-se do
princípio de que está a concordar com a pessoa a que se refere (do género feminino).

No entanto, se se pretender que o termo atenta seja uma forma do verbo atentar (significando «observar com atenção; considerar; ponderar), a frase está incorreta, porque este verbo deve
ocorrer com a preposição em (que, neste caso, estaria com a forma no, fruto da contração/crase de em + o): «Atenta no e-mail enviado no passado dia 19.»

Nesta frase, a forma verbal atenta está no imperativo (2.ª pessoa do singular), do que se depreenderia que alguém se dirigia a outra pessoa, indicando-lhe/aconselhando-a/pedindo-lhe/ordenando-lhe que «atentasse no e-mail do dia 19», ou seja, que «observasse com atenção esse e-mail», de modo a que prestasse atenção a tudo o que ele contivesse.

Nota: Esta dúvida não se colocaria se a frase estivesse do seguinte modo: «Atente no e-mail», em que se trataria exclusivamente de uma forma do imperativo («você») do verbo atentar.

Pergunta:

O substantivo pica-pau, segundo o novo acordo ortográfico, escreve-se separado. Porém, temos visto em vários meios de comunicação escrito sem hífen. Será que podem esclarecer a dúvida?

Resposta:

O substantivo/nome pica-pau escreve-se com hífen, conforme se encontra registado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, assim como nos outros vocabulários ortográficos de referência elaborados a partir do Acordo Ortográfico de 1990 — no Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora.

Como nome de um pássaro, não há dúvida de que a palavra pica-pau1 é hifenizada, o que corresponde ao estabelecido no ponto 3 da Base XV do Acordo Ortográfico: «Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; bênção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio, bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer), andorinha-grande,