Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
67K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se devem escrever as capitais do Paquistão e da Croácia?

Será Islamabad e Zagreb, ou Islamabade e Zagrebe?

Resposta:

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora, já regista as formas aportuguesadas Islamabade e Zagrebe, respeitando a recomendação do Acordo Ortográfico de 19901.

No entanto, não podemos deixar de referir que o mesmo AO aceita a manutenção da grafia estrangeira dos topónimos (e dos antropónimos) terminados em b, c, d, g e h2. Perante isto, apercebemo-nos de que são, também, legítimas as formas estrangeiras Islamabad e Zagreb3 (como se encontram registadas no Dicionário de Gentílicos e Topónimos, do Portal da Língua Portuguesa, da responsabilidade do ILTEC).

1 O ponto 6 da Base I do AO diz o seguinte: «Recomenda-se que os topónimos de línguas estrangeiras se  substituam, tanto quanto possível, por formas vernáculas, quando estas sejam antigas e ainda vivas em português ou quando entrem, ou possam entrar, no uso corrente. Exemplo: An...

Pergunta:

Qual é a forma correcta de escrever: peritoneo, peritóneo, peritónio, ou peritoneu?

Resposta:

O Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC, regista as formas peritoneu (plural peritoneus), peritónio e peritônio1, atestando como corretas as três grafias.

No entanto, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, acolhe somente duas das formas — peritoneu e peritónio.

Nota: Consideramos oportuno divulgar uma outra informação sobre estes termos médicos, cedida gentilmente por Luciano Eduardo de Oliveira.

1 Esta forma está assinalada no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, como variante do português do Brasil, o que é comprovado pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa

Pergunta:

Qual é o significado da palavra mexer na frase «A proteção que mexe com você»?

Resposta:

«Mexer com», nesse contexto, significa afetar, ou seja, não deixar indiferente.

Assim, a frase «A proteção que mexe com você» — que deve ser de algum anúncio publicitário — valoriza o facto de aquela proteção, para além de proteger, ter ainda outro aspeto benéfico: o poder de não deixar indiferente quem a usar.

Repare-se numa outra frase em que é usada a estutura «mexer com» com o mesmo sentido: «O espetáculo violento mexera com os espetadores.»

Para além de «afetar», «mexer com» pode significar, também, «meter-se» e «lidar», como se pode verificar pelos seguintes exemplos:

«O amigo avisou-o para não mexer com esses indivíduos» > («meter-se»)

«Este negócio mexe com muito dinheiro» > («lidar»)

Cf. Dicionário Gramatical dos Verbos Portugueses, da Texto Editores, 2007 (dir. prof. Malaca Casteleiro).

Pergunta:

Vítima é o quê, afinal? Só significa que seja vítima mortal?

Resposta:

Não, o termo vítima não se restringe ao sentido de ter sido assassinado(a) ou de ter morrido devido a uma situação violenta, razão pela qual existe a expressão «vítima mortal», como nos comprovam frases como a seguinte:

«Daquele acidente na estrada de Sintra, resultaram 5 vítimas mortais.»

A palavra vítima designa «tudo o que sofre dano» de qualquer espécie, abrangendo todos os seres e situações e não se limitando a danos físicos. Exemplos:

«Atualmente, muita gente é vítima de burla.»

«Ele foi vítima de uma doença degenerativa.»

«As personagens públicas tornam-se vítimas da invasão da privacidade protagonizada pela comunicação social.»

«Há um grande número de ex-combatentes vítimas do stress pós-guerra.»

Pergunta:

Esta construção, «foi-o», na frase que cito de seguida, é possível? E em que manual poderei também ler mais sobre isto?

«O tipo que aqui escreve é um pouco tudo isto junto, talvez, ou foi-o, entre estes anos, além de muito mais, que não está escrito, ou talvez então não seja nada...»

Resposta:

«Foi-o» é uma construção possível e correta, que pode ocorrer em frases predicativas, em que o predicativo do sujeito é substituído pelo clítico demonstrativo invarável -o: «Foi-o» (o = «um pouco de tudo isto junto»).

Trata-se, portanto, de uma estrutura com um predicado nominal — com um verbo copulativo (ser) — que seleciona um constituinte com a relação gramatical de predicativo de sujeito que «pode ser substituído pelo clítico demonstrativo invariável -o» (Mira Mateus et  alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 292). Repare-se nos exemplos aí citados:

(a) P: A Maria é inteligente?

     R: Sim, é-o (o = inteligente)

(b) Ela é simpática, e os seus irmãos também o são. (o = simpáticos).

Sobre o predicativo do sujeito, poderá consultar a obra acima citada (pp. 278-279) e sobre a sua substituição (pp. 290-292). Uma outra fonte: Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 135-136.