Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
65K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a forma correcta: «terá que ser» ou «terá de ser»? E porquê?

Muito obrigada.

Resposta:

Não é fácil responder à questão colocada, uma vez que, neste momento, as duas expressões são, já, consideradas equivalentes em dicionários de reconhecido valor, como é o caso do Dicionário Houaiss.
No entanto, posso dizer-lhe que, tradicionalmente, têm sido associados sentidos diversos às duas expressões que indica.

Por outro lado, uma vez que não é consensual a aceitação de «ter que» com sentido de obrigatoriedade, dever, caso tenha necessidade de utilizar esta expressão num texto formal, recomendo-lhe que utilize «ter de». Não por ser a única correcta, mas sim por ser a única consensual.

Para ficar com uma ideia mais completa, aconselho-a a consultar os artigos subsequentes, em que diversos consultores têm apresentado visões também diversas acerca desta problemática: À volta do «ter de…»/«ter que…»; Ter que e ter de; «Ter que» vs. «ter de»; Dúvidas sobre o «ter de» e o «ter que».

Cf. Ter de ≠ ter que

Pergunta:

Como saber se o complemento nominal faz ou não parte de outro termo? Por exemplo, em «Ele não quer a venda da casa», o objeto é só «a venda» ou «a venda da casa»? E, em «Aspirina é ineficaz contra ataque cardíaco», por que o predicativo do sujeito é apenas «ineficaz» e não «ineficaz contra ataque cardíaco»? Há algum teste com pronomes para saber se o complemento nominal faz ou não parte de outro termo?

Resposta:

Se é complemento, faz, com certeza, parte de uma unidade maior à qual se liga! Em «Ele não quer a venda da casa», o objecto directo é «a venda da casa», sendo «da casa» o complemento nominal do nome «venda», que, como acontece com muitos dos nomes que se constroem com complemento nominal, é um nome deverbal. Com efeito, «venda da casa» é próximo da expressão «vender a casa», em que o nome «casa» ocorre como objecto do verbo vender. Poder-se-ia dizer que esta é uma forma fácil de identificar o complemento nominal. No entanto, ainda que eficaz, não abrange todas as situações em que ocorrem, ou podem ocorrer, complementos nominais.

No caso da frase «Aspirina é ineficaz contra ataque cardíaco», que, neste lado do Atlântico, teria preferencialmente a forma «A aspirina é ineficaz contra o ataque cardíaco», admitindo que a expressão «contra ataque cardíaco» seja complemento e não adjunto, nada obsta a que se associe, também, ao adjectivo cujo sentido completa. A razão para não integrar essa expressão no predicativo prende-se, a meu ver, com a sua classificação. Parece-me que, ao não fazer essa associação, se está a atribuir à expressão o valor de adjunto, e não de complemento.

Relativamente à existência de testes com pronomes para identificar os complementos nominais, esse tipo de teste é possível, mas apenas em alguns grupos de nomes. Com efeito, podemos agrupar alguns nomes que costumam construir-se com complemento pelas suas características: temos assim, por exemplo, nomes de parentesco, como «o pai do João»; nomes icónicos, como «o quadro de Picasso»; nomes modais, como «a possibilidade de…»; nomes de actividades mentais, como «a hipótese de…», e nomes deverbais, como o caso do que ocorre no primeiro exemplo que apresenta. Nos dois primeiros grupos é possível aplicar o teste da pronominalização: «o pai do João» — «o pai dele»; «o quadro de Picasso»...

Pergunta:

O gerúndio que rege a preposição em é pouco usado em Portugal e, se não estou em erro, a última vez em que o vi/li a ser usado foi num dos romances do Saramago. Estará obsoleta esta forma e, se sim, porquê? E quais as regras desta forma?

Obrigada.

Resposta:

Tenho alguma dificuldade em garantir que a expressão em + gerúndio é, hoje, menos usada do que há décadas. Isto porque, através de uma pesquisa no Corpus do Português, que disponibiliza uma consulta em obras em língua portuguesa produzidas ao longo dos séculos, poucos foram os resultados obtidos.

A minha sensibilidade de falante leva-me a pensar que se trata de uma forma que sempre terá tido contornos regionais e que, por isso, se torna mais fácil encontrar em uso em determinadas regiões do que propriamente na literatura, a menos que, nessa literatura, se pretenda manter um registo popular ou regional, que ajude a caracterizar determinada personagem.

Pergunta qual a regra da forma em + gerúndio. A regra é essa mesma! O sentido é temporal, e a expressão pode ser substituída por outra introduzida pela conjunção quando seguida do verbo no futuro do conjuntivo: «Em fazendo o trabalho, podes sair» equivale a «Quando fizeres o trabalho, podes sair».

Pergunta:

Poder-me-iam mostrar como se constrói uma “imagem”? Eu sei a definição de "imagem" e já vi vários exemplos, mas não consigo construir uma; poder-me-iam dar uma dica de como se constrói uma boa imagem?

Resposta:

A respeito da construção da imagem, os requisitos fundamentais para se obter um bom resultado passam pelo domínio da língua e pela criatividade linguística e, eventualmente, literária do falante.

Permita-me que discorde de si quando diz que não consegue construir uma imagem. Quando está entusiasmada a contar aos seus amigos algo que lhe aconteceu, de certeza que recorre a estratégias que a ajudam a fazer com que os seus amigos entendam, da forma o mais exacta possível, aquilo que está a dizer. E, com certeza, recorre a imagens para isso… Imagine-se a escrever, ou falar, para um amigo que não conhece a sua casa. Imagine-se a contar como está organizado o seu quarto. Estou certa de que vai construir imagens… Ou imagine-se a contar um filme que os seus amigos não viram… Ou uma ida ao dentista, com aquele aparato todo, com as brocas a fazer barulho…

Aconselho-a a consultar o livro Estilística da Língua Portuguesa, de M. Rodrigues Lapa. A edição de que disponho é a 11.ª, da Coimbra Editora, e data de 1984.

Pergunta:

Quando se consulta um dicionário, é normal encontrarmos nalgumas palavras alguns dos seus sentidos figurados, daqui resulta algumas das minhas perguntas: em que sentido se poderá usar esses sentidos figurados e qual a legitimidade deles? Poderá usar-se esses sentidos figurados numa figura de estilo, como por exemplo a metáfora? Ou, depois, deixará de fazer sentido essa figura de estilo no texto em que se a usa?

Muito obrigado e continuação de um bom trabalho.

Resposta:

Vou tentar comentar, mais do que responder, as suas questões. Efectivamente, muitas das palavras que constituem o nosso património linguístico adquiriram já sentidos figurados suficientemente comuns para poderem ser dicionarizados. Mas a palavra, ou expressão, mais simples poderá ter, num determinado contexto, um sentido figurado, muitas vezes percebido apenas pelas pessoas que, naquele momento, estão em comunicação. É sobretudo este aspecto que é importante. O texto que escrevemos ou dizemos deve ser estruturado tendo em conta, pelo menos, dois princípios fundamentais:

a) a pessoa que o lê ou ouve tem de perceber exactamente o que estamos a dizer;
b) as regras da língua portuguesa que forem aplicadas, intuitivamente ou não, devem ser correctas e adequadas.

É dessa legitimidade que qualquer texto precisa: de ser compreendido e eficaz e de estar escrito sem atropelo da gramática.

Para atingir os princípios que apontei, cada falante recorre a estratégias que têm que ver com o seu domínio da língua portuguesa e também com o conhecimento que tem da pessoa com que está a falar ou para quem está a escrever. Se se tratar de um escritor, a pessoa para quem está a escrever é uma pessoa virtual, com capacidades linguísticas e sociais imaginadas pelo próprio escritor, mas que são tão gerais, que permitem a compreensão global da sua obra.

Como se atinge o conhecimento suficiente para obter resultados eficazes quando se comunica? Muito desse conhecimento, em língua materna, é intuitivo. Vai sendo aprendido pela criança por imitação dos adultos que a cercam. O conhecimento explícito da língua permite, mais tarde, enriquecer e diversificar os textos produzidos.