Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Oiço (e leio) frequentemente frases do tipo «ambos não falaram», «ambos não disseram», etc., em vez de «nenhum (dos dois) disse, falou, etc».

Pelo tempo que já levo de vida (60), de escrita e de leitura, habituei-me (e creio que bem) a utilizar a segunda maneira de expressar.

Entretanto, tenho dificuldade em explicar sucinta, correcta e gramaticalmente esta utilização da língua portuguesa, a quem se opõe à segunda versão, afirmando que a primeira estará correcta e que, além disso, fará sentido (??).

Eu digo que «nenhum (dos dois) viu» faz mais sentido do que «ambos não viram», mas não convenço...

Eu digo que estamos num universo de acção (considerando que a omissão também é uma acção), e não faz sentido fazer utilização de uma negação para referir uma acção, mas não chega...

Eu digo que o termo ambos tem sentido positivo (yn, yang), e que o não lhe retira a carga positiva, mas não colhe...

Eu digo que a utilização da primeira expressão é "português arrevesado", mas..., mas..., mas...

Podem ajudar-me?

Resposta:

A questão que apresenta é muito interessante e devo reconhecer que não encontrei nenhum trabalho em que o tema fosse abordado.

 

Pessoalmente, tal como o consulente, não aceito expressões como as que refere, apesar de nunca me ter apercebido da sua ocorrência, antes do seu texto! Creio que essa não-aceitação advém, como refere, do facto de sentir ambos com valor positivo, equivalente a os dois, ou a um e outro. Essa situação, parece-me, acontece com outras expressões de valor positivo. Vejamos um pequeno corpus:

1 – (?) «Os dois não falaram no assunto.»

2 – (?) «Um e outro não falaram no assunto.»

3 – (?) «Ambos não falaram no assunto.»

4 – «Nem um nem outro falaram no assunto.»

5 – (?) «O João e a Maria não falaram no assunto.» (reciprocidade)

 

6 – «Nem o João nem a Maria falaram no assunto.»

7 – «Nenhum falou no assunto.»

Expressões como as que ocorrem em 1, 2 e 5, em que os elementos que constituem o sujeito estão, expressa ou implicitamente, ligados por adição, ou através de coordenação copulativa de valor positivo, têm como alternativas mais formais 4 e 6 em que, em vez da conjunção copulativa de polaridade afirmativa, ocorre a conjunção de valor negativo nem. Em 7, a negativa faz-se com r...

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo transformar-se poderá ter valor copulativo, visto que o tornar-se se enquadra nessa classificação. Por exemplo, na frase «O Luís transformou-se num cirurgião brilhante», «num cirurgião brilhante» poderá exercer a função de predicativo do sujeito?

Resposta:

Tradicionalmente, um verbo copulativo é aquele que estabelece a ligação entre o sujeito e o predicativo do sujeito, concordando este, quando é um nome ou um adjectivo, com o sujeito em género e número. Vejamos se tal acontece com o verbo transformar-se:

(1) «O Luís transformou-se num cirurgião brilhante.»
(2) «Eles transformaram-se em cirurgiões brilhantes.»
(3) «Elas transformaram-se em óptimas profissionais.»

Pelos exemplos, creio que se pode, em contextos semelhantes, considerar o verbo copulativo.

Pergunta:

Qual destas formulações é a mais correcta?

— «Forma conjuntos com bolas da mesma cor.»

— «Forma conjuntos de bolas da mesma cor.»

Obrigado.

Resposta:

A preposição mais utilizada com o nome conjunto é de. No entanto, tendo em conta alguns dos sentidos veiculados pelas duas preposições (de: inclusão numa classe; característica genérica; constituição: «conselho de ministros»; com: meio ou instrumento; matéria de um conteúdo: «copo com vinho»; adição ou adjunção; matéria; finalidade, objectivo), creio que ambas as frases são correctas.

Com efeito, na frase «Forma conjuntos com bolas da mesma cor», as bolas podem ser consideradas o instrumento utilizado para formar os conjuntos, ao passo que em «Forma conjuntos de bolas da mesma cor» se destaca a constituição do conjunto, ou a sua característica genérica.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra condicionador, que tem vindo a ser utilizada por algumas marcas de cosmética capilar para designar amaciador, está bem traduzida do inglês conditioner. Trata-se de um falso cognato?

O meu comentário vem na sequência da resposta dada à pergunta colocada sobre a correcta tradução de inglês conditioner no que aos produtos de cosmética capilar diz respeito.

Efectivamente, e se nos referimos a um produto cuja função é amaciar ou tornar suave como é o caso da roupa por exemplo, a tradução correcta é amaciador.

No entanto, em cosmética capilar, esta tradução não é correcta! Em inglês a palavra conditioner vem traduzir-se em português para condicionador, ou seja, um produto que dá condição ao cabelo. Isto porque os condicionadores não visam apenas ou exclusivamente a tornar o cabelo suave mas sim, e de acordo com a tecnologia, visam fechar a cutícula capilar proporcionando melhor penteabilidade, brilho e, de acordo com as linhas, outro qualquer benefício adicional (por exemplo: volume, fortalecimento, protecção para a cor, reestruturação, sedosidade, etc). Desta forma, estamos a falar de um produto que dá condição ao cabelo, e a tradução é, por isto mesmo, condicionador.

Espero ter ajudado a esclarecer, neste tipo de produto específico, o porquê da tradução para melhor elucidar quaisquer dúvidas.

Resposta:

O seu esclarecimento, que agradecemos, desencadeia outras questões. Antes de mais, ao limitar o sentido de amaciador da forma como faz, deixa de fora áreas da cosmética, como a dos amaciadores de cutículas, por exemplo, além de excluir um conjunto razoável de profissionais e de marcas que usam, e comercializam, amaciadores capilares, a julgar pelos milhares de respostas a uma pesquisa Google com base em expressões como «amaciador de cabelo» e «amaciador capilar»… E há mesmo marcas que vendem por exemplo «Leite de Styling Amaciador»!

Por outro lado, o termo amaciador como tradução de conditioner já está atestado em dicionários bilingues! No Dicionário de Inglês-Português, da Porto Editora, edição de 1998, diz-se que conditioner é «amaciador; creme hidratante», e associado a hair, «amaciador para o cabelo». Segundo o Dicionário Houaiss, de 2002, condicionador, em cosmética, significa o mesmo que amaciador. O mesmo dicionário, em amaciador, diz «que torna o cabelo mais macio, desembaraçável e sedoso».
No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004, também se associam as duas palavras à cosmética capilar, considerando-se como significado mais vasto de condicionador «que condiciona ou impõe condições».

Uma breve pesquisa por páginas de marcas de produtos capilares permite concluir que o termo condicionador não tem para essas marcas, a julgar pela diversidad...

Pergunta:

Seria possível explicarem a formação e o significado da palavra entreolharam? Existe algum recurso estilístico de importância neste conto (A Infinita Fiadeira, de Mia Couto)?

Resposta:

Antes de mais, a palavra entreolharam é uma forma verbal, e, se acaso se refere à forma que ocorre no conto que indica, importa verificar que é pronominal: «E os humanos se entreolharam, intrigados.»
Tratando-se de uma forma verbal, a pesquisa nos dicionários terá de fazer-se através do infinitivo… Que, neste caso, é entreolhar-se.

Procurando este verbo, por exemplo, no Dicionário Houaiss, vemos que tem como significado «olhar-se reciprocamente». Ou seja, A olha para B ao mesmo tempo que B olha para A.

Na base da palavra está o elemento de formação entre- e o verbo olhar. Sobre os sentidos do verbo olhar não me alongo. Sobre o elemento de formação entre-, diz-se, no mesmo dicionário, no ponto 3 do verbete respectivo, que veicula o sentido de reciprocidade e no ponto 4 indica-se que veicula uma ideia de brevidade («quase, um pouco, ligeiramente»). Creio que em entreolhar coexistem estes dois sentidos. O de «olhar reciprocamente», daí o pronominal recíproco que se associa ao verbo, e o de «olhar por breves instantes».

Quanto aos potenciais recursos estilísticos presentes no conto, haverá, sem dúvida, muitos, a começar pela leitura alegórica ou metafórica que dele poderá fazer-se, com o inevitável recurso à personalização do mundo dos aracnídeos… Não caberia, porém, nesta resposta, uma indicação cabal e exaustiva que satisfizesse a sua pergunta. Aconselho-a, para começar, a explorar a relação entre a forma como os dois mundos, o das aranhas e o dos homens, reagem à arte e a comparar essa reacção com a que se esperaria por parte dos homens. Poderá, a seguir, problematizar o que significará esta atitude dos homens. Que mensagem lhe estará subjacente.