Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «a exposição vai itinerar...», o adjectivo itinerante é usado como verbo. Isto é corrente, mas estará correcto?

Obrigada.

Resposta:

Itinerante equivale ao particípio presente do verbo itinerar, como viajante corresponde ao particípio presente de viajar. O que acontece é que o verbo itinerar não é habitual no português, estando embora na origem do adjectivo verbal itinerante.

Ao dizer que a exposição vai itinerar, o que se está a fazer é a dar vida a um verbo cuja existência se reconhece por via de itinerante, mas que não tem sido usado.

Num momento em que a língua portuguesa é invadida, quase cercada, por estrangeirismos, é refrescante ver que ainda encontramos recursos nela própria para designar situações novas. A expressão parece-me, pois, correcta.

Pergunta:

Gostaria de uma ajuda a respeito da colocação de pronomes, na verdade, quero mesmo é saber porquê nestes dois casos foi utilizada próclise:

a) «Algumas notas chegaram a se ligar.» (Sendo um verbo no infinitivo, não deveria ser mesóclise?)

b) «Em se pondo o Sol os pássaros voam.»

Procurei em diversas gramáticas e não encontrei regra que justificasse a próclise.

Além disso, a regra diz que para mesóclise usa-se futuro do presente e futuro do pretérito, mas isso é difícil de se aplicar na prática...

Por que esta frase está correta?

«O torneio iniciar-se-á no domingo.»

Agradeço desde já a ajuda.

Resposta:

A razão da próclise está, certamente, na presença da preposição. Curiosamente, em Portugal, a preposição a, presente em a) «chegaram a…», é a única que não implica a próclise, ou seja, aqui, deste lado, dir-se-ia «chegaram a ligar-se».

No caso de b), aqui também se faria a próclise.

Quanto à mesóclise, ou seja, à colocação do pronome no meio do verbo, isso só acontece, como diz, com os verbos no futuro do presente, ou futuro simples, e no futuro do pretérito, que em Portugal surge sobretudo como condicional. É por essa razão que a frase «O torneio iniciar-se-á no domingo», cujo verbo está no futuro do presente, está correcta. Como também o estaria se o tempo do verbo fosse o futuro do pretérito:

«O torneio iniciar-se-ia no domingo.»

Pergunta:

Tenho alguma dificuldade em definir o sujeito e o complemento directo em frases do tipo:

«É aconselhável que se faça a prevenção rodoviária.»

«É obrigatório que se respeitem os sinais de trânsito.»

«Que tu tenhas estudado deu muita alegria aos teus pais.»

Estas frases não possuem um sujeito definido. A minha primeira impressão é que, por exemplo, «que se faça a prevenção rodoviária» seja uma oração subordinada completiva com função de complemento directo, pois faço a pergunta simples: «O que é obrigatório? — Que se faça a prevenção rodoviária.» E assim nesta frase o sujeito é indeterminado.

Agradeço que me possam esclarecer estas dúvidas.

Resposta:

As frases que apresenta são muito interessantes e, sobretudo, raramente são incluídas no estudo da língua (apetecia-me dizer da gramática…) no ensino não superior. Qualquer delas tem um sujeito bem definido. Do ponto de vista sintáctico, entenda-se. São frases que têm como sujeito uma oração completiva, que pode ser substituída pelo pronome isto ou isso em posição pré-verbal, como se verifica em 1.1, 2.1 e 3.1.

1 — «É aconselhável que se faça a prevenção rodoviária.»
1.1 — «Isso é aconselhável.»

Sujeito — «que se faça a prevenção rodoviária».
Predicado — «é aconselhável».
Predicativo do sujeito — «aconselhável».

Frases que têm como predicado um verbo copulativo seguido de necessário, provável, aconselhável, obrigatório, preciso, etc. têm, na sua estrutura habitual, o sujeito em posição pós-predicado. Este sujeito pode ser uma oração completiva com função de sujeito, como é o caso nos exemplos que apresenta. Pode ainda ser uma oração infinitiva, em frases como «É aconselhável fazer uma pausa», em que «fazer uma pausa» é o sujeito.

2 — «É obrigatório que se respeitem os sinais de trânsito.»
2.1 — «Isso é obrigatório.»

Sujeito — «que se respeitem os sinais de trânsito».
Predicado — «é obrigatório».

3 — «Que tu tenhas estudado deu muita alegria aos teus pais.»
3.1 — «Isso deu muita alegria aos teus pais.»

Sujeito — «Que tu tenhas estudado».
Predicado — «...

Pergunta:

Há dias tive uma prova de Língua Portuguesa em que o professor pedia para fazer a análise sintática da seguinte frase:

«Esta sopa é de cenoura

Minha resposta para esta frase não foi correcta.

Na correção, o professor fez da seguinte maneira:

Sujeito subentendido — «ela»

Predicado — «é»

Complemento circunstancial de conteúdo — «cenoura».

Nunca tinha ouvido falar de tal complemento.

Procurei na gramática e pesquisei na Net e não achei nada a respeito do complemento circunstancial de conteúdo.

Gostaria que vocês me esclarecessem acerca deste complemento.

Obrigada.

Resposta:

O facto de não saber o nível da prova que fez (ensino básico/primário, ensino secundário, ensino médio?) poderá implicar que a resposta seja inadequada. Se for o caso, o Ciberdúvidas estará ao seu dispor para esclarecimentos suplementares.

Complementos circunstanciais

Considera-se que uma frase tem elementos essenciais (sujeito e predicado mais seus complementos — complemento directo, indirecto, oblíquo, agente da passiva e predicativo do sujeito) e elementos complementares ou acessórios que podem estar presentes ou não. Estes elementos acessórios têm, na gramática tradicional, a designação genérica de complementos circunstanciais e são agrupados segundo o sentido que veiculam. Muitos destes sentidos estão identificados nas gramáticas, sobretudo os que, de alguma forma, correspondem à classificação dos advérbios. Outros decorrem muitas vezes da interpretação individual. Terá sido essa a interpretação que foi dada quando se atribui a «de cenoura» um valor de conteúdo.

Análise da frase «Esta sopa é de cenoura»

Esta frase tem apenas os elementos essenciais. Ou seja, não há, na frase, nada que se possa retirar sem que ela fique incompleta. Ou seja, não há, na frase, um complemento circunstancial no verdadeiro sentido do termo. Na prática, e em rigor, não temos nesta frase complementos circunstanciais. No entanto, na gramática tradicional dá-se muitas vezes essa designação a complementos iniciados por preposição como é o caso deste. Esses complementos, embora sejam de presença obrigatória, são designados complementos circunstanciais.

Quais são então os elementos essenciais desta frase? Em qualquer frase, os elementos essenciais são dois: sujeito e predicado. A designação de predicado é, por vezes, na gra...

Pergunta:

Gostaria de obter um esclarecimento sobre qual o processo de entrada na língua das palavras espectador e computador.

Resposta:

A palavra computador provém do latim computatore-, com o significado de «calculador, aquele que faz cálculos». Segundo se diz no Dicionário Houaiss, é uma palavra atestada no português desde 1789. Segundo o mesmo dicionário, adquiriu o sentido que hoje lhe é mais comum por influência do inglês, estando atestada desde 1962.

Espectador está atestado na língua portuguesa desde 1677 e tem como origem spectatore-, «aquele que observa, observador».