Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida:

Diz-se:

«Alentou-os a orgulhar-se de serem bons cidadãos», ou «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos»?

«Foram convidados para dois eventos, a realizar-se no próximo mês», ou «... a realizarem-se no próximo mês»?

Flexiona-se o infinitivo quando este é regido da preposição a?

Resposta:

No caso dos exemplos que apresenta, nada impede a flexão do verbo, sendo, mesmo, mais elegante, no primeiro exemplo, que ambos os infinitivos, tendo como sujeito a mesma entidade plural, ocorram no mesmo número: «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos.»

A restrição que está subjacente à sua questão prende-se com locuções verbais, veiculando uma ideia de continuidade de acção nas quais entra o auxiliar estar seguido da preposição a mais infinitivo não flexionado: «estou a ler», «estamos a ler». Nestes casos, o plural é assumido pelo auxiliar, e não pelo infinitivo.

Pergunta:

A minha dúvida que gostaria de ser esclarecida se refere ao uso do infinitivo simples e composto. Na imprensa em geral, observo que, para um mesmo contexto, são utilizadas as duas formas, por exemplo, nos seguintes casos: 

1a) «Acusado de matar o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
1b) «Acusado de ter matado o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
2a) «Depois de ter matado o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
2b) «Depois de matar o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
3) «Um turista morreu hoje ao cair/ter caído do varandim do elevador.»
 

Em contextos como esses, nos quais minha parca sensibilidade linguística quase sempre me induz a usar o infinitivo composto, observo que, apesar de usarem as duas formas, na imprensa em geral há uma preferência pelo infinitivo simples.

Analisem o seguinte texto do sítio uol.com.br:

«Apontado como um dos culpados pela derrota por NÃO ESTAR em campo na partida que culminou com a eliminação do Corinthians pelo Tolima na Libertadores — ALEGOU ESTAR com dores na coxa —, Roberto Carlos se queixou de estar sofrendo ameaças de torcedores e prometeu deixar o clube.»

No contexto acima, as formas «não estar» e alegou estar» estão bem postas, ou poderiam ser substituídas pelas compostas «não ter estado» e «alegou ter estado»?

Mudando de assunto, por favor, analisem os seguintes exemplos: 

4) «O policial militar CONFESSOU QUE MATOU a jornalista, porque ela teria reagido depois de TER SIDO sequestrada.»

a) Há anterioridade de ação que talvez justificasse escrever «confessou que tinha (havia) matado»?
b) Está correta a forma composta «ter sido»?

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Resposta:

Obrigada pelas suas palavras simpáticas.

Quanto ao uso dos tempos compostos, é, efectivamente, muito mais frequente a utilização dos tempos simples na comunicação social, havendo, muitas vezes, orientações explícitas nos livros de estilo para esta opção. No caso dos exemplos 1a), 1b), 2a) e 2b) acima, não há grande alteração de sentido, uma vez que a locução temporal «depois de» nos permite situar as acções uma em relação à outra. Em 3), creio que a mensagem é um pouco distinta. Desdobro os exemplos e numero-os como 3a) e 3b): 

3a) «Um turista morreu hoje ao cair do varandim do elevador.»
3b) «Um turista morreu hoje depois de ter caído do varandim do elevador.»

Em 3a), a morte terá ocorrido durante a queda. Em 3b), que me parece ficar mais formal se substituirmos «ao» por «depois de», a morte, ocorrendo embora por causa da queda, aconteceu posteriormente.

O exemplo retirado da comunicação social ilustra o que referi acima, sobre a preferência dos tempos simples. 

4) «O policial militar confessou que matou a jornalista, porque ela teria reagido depois de ter sido sequestrada.»

Uma vez mais, a opção por um tempo simples em «matou» deve-se ao facto de haver a opção já apontada pelos tempos simples. Porém, do ponto de vista formal, a frase ficaria mais rica se fosse usado o tempo composto «tinha matado». Em Portugal, o uso do verbo haver como auxiliar dos tempos compostos está em desuso.

Quanto à forma «ter sido», ela está correcta, pois estamos perante uma forma passiva do verbo, sendo o auxiliar da passiva, verbo ser, a suportar as alterações ou características da conjugação do verbo. Assim, a forma simples seria «ser sequestrada». Ao c...

Pergunta:

O Dicionário Houaiss (edição electrónica de 2009) inclui as conjunções e preposições no grupo dos clíticos.

Sendo assim, gostaria de saber os critérios a ter em conta para a classificação de um vocábulo como clítico.

Obrigado.

Resposta:

Um vocábulo é clítico quando não tem uma forma tónica e se sujeita, foneticamente, a uma palavra a que se liga. Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 1999, página 89, identifica as classes de palavras que podem surgir como clíticos, considerando mesmo que algumas palavras tónicas na estrutura frásica perdem a autonomia fonética, digamos assim. Dá como exemplos o artigo em «o rei», /urrey/ e «deve estar», /devistar/, que em Portugal se realizam foneticamente como  [u’rɐy] e  [devɨʃ’tar]. Repare-se que nestes conjuntos, ou sequências fonéticas, parece ocorrer um só acento tónico que vai assinalado, por mim, com (ˈ).

Bechara, na mesma página, separa as palavras clíticas que ocorrem antes da palavra foneticamente dominante, ou seja, em posição proclítica, das que surgem depois dessa palavra, em posição enclítica. As classes de palavras que identifica como proclíticas pertencem às seguintes classes:

a) artigos
b) alguns numerais, como um, três, cem
c) pronomes adjuntos antepostos (ou determinantes): demonstrativos, possessivos, indefinidos…
d) pronomes pessoais antepostos
e) pronomes relativos
f) verbos auxiliares
g) certos advérbios: já (já vi), não (não posso)
h) certas preposições: a, de, em, com, por, sem, sob, para
i) certas conjunções: e, nem, ou, mas, que, se, como, etc.

Como enclíticos, refere os pronomes pessoais átonos.

O critério que se adopta para identificar uma palavra clítica é o da análise do seu comportamento fonético em contexto, ou seja, em sequências fonéticas.

Independentemente do que se diz atrás — e que é relevante para percebermos o que significa clítico —, tradicionalmente, quando falamos de clíticos, pensamos, sobretudo, nos pronomes pessoais átonos.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe diferença entre aposto e epíteto.

Em um livro repleto de epítetos como «Simão, o Leproso», «Lázaro, o ressuscitado», que exercem a função de sujeito, estou enfrentando a seguinte dificuldade: devo colocar uma vírgula após os epítetos? Sinto que de qualquer forma transgrido alguma regra: se coloco a vírgula, separo sujeito de predicado; se não coloco vírgula, deixo um aposto mal pontuado e sem paralelismo.

Obrigada!

Resposta:

O sujeito não é o epíteto, mas o conjunto constituído pelo nome e pelo epíteto, ou aposto. Como o aposto, ou epíteto, deve vir entre vírgulas, não colocar a vírgula no final será – aí, sim – separar o núcleo do sujeito do seu predicado. Senão vejamos: «Simão, o leproso aproximou-se.» Como o núcleo do sujeito é «Simão», aquela vírgula está a separá-lo do predicado.

Se, pelo contrário, colocarmos a segunda vírgula, que tem um efeito parentético, tudo fica bem: «Simão, o leproso, aproximou-se», que equivale a «Simão (o leproso) aproximou-se».

Pergunta:

Estava digitando um trabalho de geografia que meu professor pediu há umas semanas e, ao escrever, me deparei com a necessidade de colocar dois pronomes ligados a um verbo na frase «... e, em seguida, classifica-se-os em uma das eras geológicas...». Já que nunca tinha visto nenhum caso desses, gostaria de saber se eu cometi um erro e, caso não o tenha cometido, como se chama essa "ênclise dupla".

Obrigado.

Resposta:

Não creio que se trate de uma forma de expressão adequada à norma. Em situações destas, a nossa língua é suficientemente rica para permitir caminhos alternativos.

Analisemos antes a expressão em apreço, que repito «… e, em seguida, classifica-se-os em uma das eras geológicas...».

Tal como está formulado o verbo com os clíticos, temos um se que desempenha a função de sujeito, equivalendo a alguém, e um pronome pessoal com função de objecto directo, os. O verbo está na voz activa. Porém, dado tratar-se de um verbo transitivo, poderemos optar por uma estrutura em que o se seja apassivante («classificam-se», equivalente a «são classificados»). O referente a que se associa o pronome os não precisa de estar expresso, dado que a língua portuguesa não exige a explicitação do sujeito, que pode ficar implícito.

A frase ficaria, pois: «… e, em seguida, classificam-se em uma das eras geológicas...»