Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
60K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O hormônio glucagon, muito discutido nas aulas de bioquímica, causou-me uma dúvida quanto à sua pronúncia: embora quase a totalidade dos professores pronunciem a palavra como se fosse paroxítona (ou grave), sempre soube que se trata de uma aguda (ou oxítona), uma vez que sempre utilizo as três possibilidades de tonicidade para conferir, de acordo com as regras de acentuação, se a profiro de maneira correta. Assim, se fosse esdrúxula, seria acentuada, já que todas as proparoxítonas são acentuadas: "glúcagon". Se se tratasse de uma palavra grave, também seria acentuada, já que se acentuam as paroxítonas terminadas em "n" (próton, fóton, elétron e cátion, por exemplo): "glucágon". Ora, com esta análise, por eliminação e por ter em mente que as palavras agudas terminadas em "n" não levam acento, concluo que se trata de uma palavra aguda ou oxítona. Gostaria de saber se estou correto ou não e por quê.

Resposta:

A sua análise está correctíssima. Trata-se, efectivamente, de uma palavra aguda. Numa consulta ao Vocabulário Ortográfico Português, disponível no Portal da Língua Portuguesa, além da palavra em si, são-nos fornecidas diversas informações, entre as quais a indicação da sílaba tónica. E aí a palavra aparece como glu.ca.gon. Com a divisão silábica e com indicação da sílaba tónica.

Porém, a verdade é que a grande maioria das palavras terminadas em -n no português são graves, havendo, mesmo, algumas esdrúxulas. Quando agudas, são, habitualmente, consideradas estrangeirismos, sendo grafadas em itálico. É o que acontece, por exemplo, com vison no Dicionário Houaiss, onde, no entanto, glucagon ocorre sem itálico. Por outro lado, as palavras agudas terminadas em -on têm tendência a evoluir, transformando o -n em -m, como em baton > batom, ou o -on em -ão, como acontece em biberon > biberão.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem acerca dos fenómenos fonéticos ocorridos na evolução da palavra patrem até à forma pai. Normalmente, as explicações resumem-se às formas patrem > patre > padre. E daí até à forma pai, que fenómenos aconteceram?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

O vocábulo pai, que já ocorre no séc. XIII, ainda que pontualmente, tem uma evolução obscura, digamos assim. A versão mais corrente explica a origem da palavra a partir de padre, tendo como origem a generalização de uma pronúncia infantil, em que se verifica a síncope do r: *pade. Seguir-se-ia a síncope do d e a alteração do ponto de articulação da vogal. Teríamos, pois, globalmente, patrem > patre > padre >*pade > pae > pai.

Pergunta:

Gostaria que me fizessem um paralelo entre semântica estática e semântica dinâmica.

Resposta:

Não sei, exactamente, a que área do saber se reporta a sua questão, uma vez que expressões como «semântica estática» e «semântica dinâmica» são usadas, por exemplo, na informática, em linguagem de programação.1

Do ponto de vista linguístico, e de uma forma muito simplista, poderemos dizer que a semântica estática se associa a uma situação não dinâmica, ou seja, que não implica uma mudança de estado e que se prolonga no tempo. São exemplo de situações estativas frases como «Ele mora em Lisboa» ou «Ela sabe inglês».

Por seu lado, a semântica dinâmica está subjacente em enunciados que impliquem uma mudança de estado, como «O João saiu», ou «Li o livro».

1 Num trabalho disponível na Internet (consulta em 14/03/2011), encontra-se, de modo muito sucinto, a seguinte definição de semântica estática e semântica dinâmica: «As regras semânticas podem ser classificadas em estáticas ou dinâmicas dependendo do momento em que são checadas (compilação ou em tempo de execução).»

Pergunta:

«O Dr. Marcelo, ladino como é» – concluiu ela, afinal –, «certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho.»

No trecho acima, está correta a pontuação, especialmente a colocação da vírgula após o segundo travessão?

Obrigado.

Resposta:

Sim,  a pontuação está correcta. O exemplo é excelente para explicar em que situações pode, ou deve, ocorrer uma vírgula depois de um travessão ou de um parênteses curvo. Repare que a mensagem principal é «O Dr. Marcelo certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho». A esta mensagem principal foi introduzido um comentário da personagem que profere a frase: «ladino como é». Este comentário funciona como um aposto e deve ocorrer entre vírgulas. Entre o comentário da personagem e a restante frase surge de novo um comentário, desta feita do narrador, colocado entre travessões, como costuma acontecer sempre que a informação do narrador surge no interior da frase. Ora, em situações como esta, a vírgula que deveria fechar o comentário da personagem deve ser deslocada para o final do segundo comentário, ou seja, após o travessão que fecha o comentário do narrador, embora fique fora das aspas que marcam o discurso directo. Se pensarmos bem, as aspas marcam a fala, ao passo que a vírgula obedece, neste caso, a uma convenção sintáctica, digamos assim, da escrita.

Pergunta:

Encontro a palavra onis quando é referida uma palavra em latim, seguindo-se onis, separada da anterior por vírgula. Ex.: do latim creatio, onis. Agradeço o que significa e a sua função.

Resposta:

Os nomes, ou substantivos, latinos surgem no dicionário com os casos que são usados na sua enunciação: o nominativo e o genitivo, este, habitualmente, representado apenas pela terminação. O exemplo que refere é da terceira declinação, cujo genitivo do singular termina em -is. Sendo uma declinação muito produtiva e muito variada (contém palavras de tema em i e de tema em consoante), por vezes há uma diferença entre o radical do nominativo e o radical do genitivo. Nesses casos, o genitivo inclui a variação que ocorre entre os dois casos. É o que acontece no exemplo que apresenta – creatio, onis –, que, por extenso, seria creatio, crationis. Se quisermos traduzir, teríamos: «a criação, da criação», respectivamente.