Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A dúvida apresentada por Alberto Medeiros e esclarecida por Carlos Rocha em 20/06/2008 mostra que no Brasil ainda se usa "Dize-me" na 2.ª pessoa do sing. do imperativo. "Traze-me" e "Faze-me" também são correctas no Brasil? O Acordo 1990 não prevê a uniformização? É claro que não é apenas uma questão de grafia, mas...

Obrigado.

Resposta:

As alternâncias das formas de imperativo da 2.ª pessoa do singular diz/dize, faz/faze, traz/traze pertencem ao domínio morfológico e não têm de ser resolvidas pelo Acordo Ortográfico de 1990, que tem em vista representar graficamente a pronúncia das palavras. O facto de o consulente brasileiro ter usado o imperativo dize talvez nos diga mais sobre um estilo linguístico pessoal do que sobre a variedade brasileira que ele usa normalmente. Basta recordar que no Brasil as formas de 2.ª pessoa do singular são, na sua maior parte, substituídas pelas da 3.ª pessoa em associação com a forma de tratamento você. O tu ainda se usa, ao que parece nos estados do Sul e nos do Norte, mas combinado muitas vezes com a flexão de 3.ª pessoa do singular («tu não fala assim comigo»). No caso do imperativo, seria de esperar que se usasse, em relação a um interlocutor, as formas correspondentes a vocêdiga/faça/traga (você) —, mas sabemos que coloquialmente se emprega «diz/faz/traz para mim».

No entanto, é verdade que a consulta de uma gramática brasileira, a Moderna Gramática Portuguesa (págs. 267-271), de Evanildo Bechara, apenas regista como imperativos de 2.ª pessoa do singular dos verbos dizer, fazer e trazer as formas dize, faze e traze, deixando pensar que ainda são amplamente usadas no Brasil. Considero que não é disso que se trata: tais formas estão presentes porque os objectivos da gramática são normativos e procuram descrever um uso que é tradicionalmente visto como correcto no Brasil — mesmo que algumas formas nunca ou raramente se usem entre brasileiros.

Pergunta:

Ao se referir ao material usado em uma construção civil, pode-se dizer «construção de aço». Como nas construções convencionais usa-se o aço juntamente com o concreto (betão), uma Associação Brasileira preferiu usar «construção em aço». Penso que essa expressão é um galicismo. Eu preferiria usar «construção com aço».

O que dizem os senhores?

Resposta:

Usa-se a preposição de para referir a matéria de que um objecto é feito. Deste modo, se construção significar o mesmo que edifício ou qualquer obra em geral, dir-se-á: «construção de aço». Neste caso, «construção em aço» é um galicismo, que a norma continua a condenar.

Se construção for o mesmo que «acto ou acção de construir», não terá sentido «construção de aço», porque se corre o risco de entender «construção de um material que é o aço»; mas afigura-se legítima a expressão «construção com aço», parafraseando-a como «construção que utiliza o aço». No entanto, o valor instrumental da preposição com pode dar azo a alguma confusão; com efeito, «construção com aço» pode sugerir que o aço foi usado não como material mas como instrumento (ex., «construção com ferramentas de aço»). Por outra parte, é muito corrente dizer-se «construção em aço/pedra/madeira», em que se foca precisamente o material utilizado. Deste modo, ainda que esta expressão se possa interpretar como uma simplificação (elipse) de «construção de alguma coisa em aço/pedra/madeira», acabando a preposição em por nos reconduzir ao galicismo, trata-se de uma boa alternativa, no plano da expressão terminológica, à ambiguidade de «construção com aço».

Pergunta:

Quais as versões mais correctas:

1) «estamos a aproximar-nos», «estamo-nos a aproximar», ou «estamos a aproximarmo-nos»?

2) «temos que ser nós a servir-nos», ou «temos que ser nós a servirmo-nos»?

3) «estou satisfeito com a possibilidade de podermos ir de Oeiras ao Oriente sem sair do comboio», ou «estou satisfeito com a possibilidade de podermos ir de Oeiras ao Oriente sem sairmos do comboio»?

Resposta:

1) «Estamos a aproximar-nos» e «estamo-nos a aproximar» são as formas correctas. «Estamos a aproximarmo-nos» não é correcto por redundância: na locução verbal formada por estar + a + infinitivo impessoal ou não flexionado (no exemplo, aproximar), só o auxiliar tem flexão.

2) Observe-se primeiro que é verdade que se usa «ter que», mas a tradição normativa ainda recomenda «ter de». Quanto à opção entre infinitivo impessoal ou não flexionado («a servir-nos») e infinitivo pessoal ou flexionado («a servirmo-nos»), são possíveis ambas a formas verbais, mas, uma vez que se usa um pronome reflexo, neste caso na 1.ª pessoa do plural, o uso tende a fazer concordar o verbo e recorre, por isso, ao infinitivo flexionado («a servirmo-nos»).

3) Ambas as frases estão correctas. A questão de se saber se é melhor empregar o infinitivo impessoal do que o infinitivo pessoal na última oração acaba por não ser importante. A pergunta é mais que diferença há entre «sem sair» e «sem sairmos», sabendo que esta oração adverbial de infinitivo depende de outra cujo sujeito (subentendido) é «nós» («podermos ir de Oeiras...». A opção pelo infinitivo impessoal permite considerar «ir de Oeiras ao Oriente sem sair do comboio» de um modo genérico, como um bloco equivalente a «ir de Oeiras ao Oriente sem bilhete»; por contraste, a escolha do infinitivo pessoal («sem sairmos») resulta mais específica e enfática, por associar a acção a uma entidade («nós») já identificada na frase.

Pergunta:

Assistindo a um filme russo, deparei-me nas legendas em português com as formas «amo-lhe» e «amo-o», não usuais no Brasil. Isso me levou a especular se é possível usar «amo-nos».

Resposta:

«Amo-o» é forma correcta, embora, ao que sei, no português brasileiro informal se diga «amo ele». Não se usa o pronome lhe, porque este desempenha a função de objecto indirecto, e o verbo amar selecciona objecto directo: é por isso que «amo o meu filho» é equivalente a «amo-o» e não a «amo-lhe».

Quanto a «amo-nos», em princípio, é uma sequência de verbo e pronome possível, parafraseável por «eu amo-nos a nós», em que «a nós» indica reforço do objecto directo «-nos» e não um objecto indirecto.

Pergunta:

A dúvida é sobre as graduações mais altas do judô, onde o praticante recebe uma faixa rajada de vermelho e branco: «Uma faixa vermelho-e-branca»?

Não creio que seja "vermelha-e-branca". Conforme a fonte consultada, o plural varia. Já vi «faixas vermelho-e-brancas». Como são dois adjetivos, há uma regra que manda flexionar os dois: «faixas vermelhas-e-brancas». E há recomendações até de não se flexionar: «faixas vermelho-e-branca».

O que recomendam?

Resposta:

Com a conjunção copulativa, a concordância deveria fazer-se normalmente, como a que se verifica entre um substantivo e dois adjectivos: «faixas vermelhas-e-brancas» tal como se diz «camisolas verdes-e-brancas» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa). Mas a edição brasileira do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa indica que o plural do adjectivo verde-e-amarelo é verde-e-amarelos, o que significa que apenas o segundo elemento concorda, legitimando o feminino plural verde-e-amarelas. Por conseguinte, aceite-se, pelo menos no Brasil, o masculino plural vermelho-e-brancos e o feminino plural vermelho-e-brancas.

Acresce que verde-e-amarelo, quando substantivo, é verdes-e-amarelos no plural (cf. idem). Do mesmo modo, seguindo este modelo, obtemos para o composto em discussão o plural vermelhos-e-brancos.