Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a forma correcta de escrever, "Merlim" ou "Merlin", referindo ao mago da corte do rei Artur?

Resposta:

A forma correcta do nome dessa personagem é Merlim, uma vez que termina em vogal nasal. O nome tem proveniência francesa medieval — Merlin.

Pergunta:

Gostaria de saber se na frase «A igreja parecia leve, de algodão» há locução adjetiva. E expliquem por favor.

Resposta:

Há uma locução, constituída por uma preposição e por um substantivo, que tem a função de predicativo do sujeito. Muitas vezes, esta função sintáctica é realizada por um adjectivo, mas tal não é obrigatório, porque também podem ocorrer substantivos («o João é professor») locuções adverbiais («a casa é de madeira») e até orações («o problema é haver muitos automóveis»). Em suma, eu diria que se trata não de uma locução adjectiva mas, sim, de uma locução adverbial com valor pedicativo e adjectival («a casa é de madeira»; «a casa de madeira»).

Pergunta:

Nas minhas aulas de linguística, aprendi que o sistema escrito é apenas uma tentativa de representação do sistema oral. Certamente que, no português europeu, tem havido outras reformas/acordos ortográficos que foram alterando as regras de escrita. Gostaria de saber quais foram as principais reformas/acordos ortográficos na história da língua portuguesa (variante europeia) e quais as principais alterações por eles levadas a cabo.

Resposta:

Durante a Idade Média, a ortografia da língua portuguesa foi sobretudo fonética, havendo um certo grau de variação, já que a forma gráfica podia depender de cada autor e até de cada copista. No século XVI, afirmou-se uma tendência para criar uma ortografia de carácter etimológico, que pretendia dar às palavras um aspecto gráfico latino ou grego. Muitas vezes, as grafias eram estabelecidas em etimologias incorrectas, no afã de mostrar que a língua portuguesa pouco se afastara do latim. Os primeiros gramáticos da língua portuguesa — Fernão de Oliveira, João de Barros, Duarte Nunes de Leão, Pêro Magalhães de Gândavo — mostraram especial interesse pela ortografia e, embora as suas propostas apresentassem divergências, considera-se que procuraram moderar a tendência para a ortografia etimológica— sem sucesso. Foi assim que, no século XVIII, a ortografia etimológica se consolidou, mediante a acção da Academia das Ciências de Lisboa, criada em 1779.

Nos finais do século XIX, reconhecia-se que a ortografia etimológica tinha vários inconvenientes, entre eles, a possibilidade de variação individual. Em 1885, no intuito de uma simplificação ortográfica, A. R. Gonçalves Viana e G. Vasconcelos Abreu propuseram novas bases ortográficas. Em 1911, o Governo da República nomeou

Pergunta:

Gostaria que me informassem a origem do meu apelido Garcez, e como é que se escreve? Com z ou s, e se com z, como escreve a minha família, leva ou não acento circunflexo?

Obrigado.

Resposta:

Em nossa opinião, a forma como o apelido consta no registo e por consequência no bilhete de identidade e em outros documentos pessoais, assim será o seu uso. Se a família escreve Garcez, pensamos que assim deve continuar a ser escrito, sem preocupações relacionadas com as diferentes formas de ortografia existentes.

No que diz respeito à origem do apelido, José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, sugere que se trata de um apelido com origem no patronímico de Garcia. Na Idade Média, os patronímicos eram formados com base em nomes próprios aos quais se juntava o sufixo -ez, tal como acontecia em galego e em castelhano: Rodrigo/Rodriguez. É provável que a mesma correspondência possa ser estabelecida no caso do apelido em apreço: Garcia/Garcez. Recorde-se, todavia, que a reformas ortográficas do século XX obrigaram a que estes nomes se escrevessem com -s final. Em suma, é provável que Garcez seja uma forma etimologicamente adequada, mas Garcês é a grafia mais actualizada, em harmonia com os princípios da ortografia vigente.

Pergunta:

Em «o engraçado é que...», «o engraçado» equivale a «a coisa engraçada»? Então, tanto faz dizer «pediu-me que lhe trouxesse a primeira coisa que encontrasse» ou «pediu-me que lhe trouxesse o primeiro que encontrasse»? Acredito que não, mas não sei explicar o porquê.

Ainda a respeito de «o engraçado é que», há uma regra para explicar este tipo de construção?

Desde já lhes agradeço a vossa ajuda.

Resposta:

Ao empregar expressões como «o triste de tudo isto» , «o engraçado da cena», «o divertido da situação», «o trágico dos acontecimentos», está a usar adje{#c|}tivos substantivados que podem ser parafraseados, respectivamente, por «a coisa/o lado/o aspecto/o valor triste», «a coisa/o lado/o aspecto/o valor engraçado», «a coisa/o lado/o aspecto/o valor divertido» e «o lado/o aspecto/o valor/trágico». Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, pág. 145) explica este uso:

«[...] nestas substantivações, o adjetivo prescinde do substantivo que o podia acompanhar, ou então é tomado em sentido muito geral e indeterminado, não marcado, caso em que se usa o masculino (à maneira do neutro latino, mas não do neutro português, que não existe):

O bom da história é que não houve fim.

O engraçado da anedota passou despercebido.

O triste do episódio está em que a vida é assim.»

No caso de primeiro, que é um numeral ordinal, mas é também um adjectivo e um substantivo, o mesmo acontece quando é adjectivo: «a primeira coisa que fiz» = «o primeiro que fiz»; «a primeira coisa que vi» = «o primeiro que vi»). Notem-se, contudo, as dificuldades com que se defrontam os restantes numerais ordinais neste tipo de construção:?«o segundo que fiz»1 = «a terceira coisa que fiz», ?«o terceiro que vi» = «a terceira coisa que vi».

É ainda de acrescentar que, se é verdade que a substantivação «o primeiro que» = «a primeira coisa que...» se assemelha a «o engraçado da anedota é que...» = «a coisa engraçada da anedota é que...», há também diferenças, porque este tipo de substantivação de primeiro não é compatível com...