Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu gostaria de saber o que é a mudança linguística em si e qual a diferença entre variação linguística e mudança linguística?

Obrigada.

Resposta:

O Dicionário de Termos Linguísticos (Lisboa, Edições Cosmos), organizado por Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mira Mateus, define mudança linguística assim:

«Qualquer modificação sofrida pela estrutura de uma língua (a nível fonético, fonológico, morfológico, sintáctico ou semântico) ao longo do tempo.»

No mesmo dicionário, variação é:

«[O] fenómeno pelo qual uma determinada língua nunca é, numa dada época, lugar e grupo social, igual ao que era numa outra época, num outro lugar e num outro grupo social. A variação diacrónica é o objecto de estudo da gramática e da linguística históricas, a variação no espaço é objecto de estudo da geografia linguística e da dialectologia. A sociolinguística ocupa-se da variação social.»

Destas definições conclui-se que, por um lado, a mudança linguística marca diferentes fases ou período na variação diacrónica. Por outro lado, a mudança constitui uma selecção das formas linguísticas em variação geográfica ou social, abandonando umas e generalizando outras à comunidade.

Pergunta:

Na frase: «O brasileiro, de índole individualista, é bastante avesso à participação em associações que exerçam alguma pressão em seu benefício», há dois pressupostos. O primeiro é o de que todo o brasileiro é de índole individualista. E o segundo, qual é?

Resposta:

O outro pressuposto é o de haver «associações que exerçam alguma pressão em seu benefício».

Pergunta:

Que figura de pensamento há nos seguintes versos do texto de Adélia Prado?

«Prateou no ar dando rabanadas» e «coisas prateadas espocam».

Obrigada.

Resposta:

Os versos em apreço fazem parte de um poema, que vale a pena aqui transcrever.

Casamento 

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
 

Adélia Prado, Poesia Reunida, São Paulo, Ed. Siciliano, 1991, pág. 252 

Sobre «prateou no ar dando rabanadas», deve notar-se o efeito estilístico do verbo pratear, que aqui significa «brilhar», podendo assim identificar-se uma metáfora (= «o brilho é prata»). Em «coisa prateadas espocam», temos uma imagem, constituída pelas metáforas «coisas prateadas» e «espocam»; o significado destas metáforas é de certo modo vago, mas remete para o amor entre duas pessoas, evocando a situação de enamoramento, noivado ou cerimónia de casamento.

Pergunta:

Gostava de saber o que são tropos retóricos e o que os distingue de figuras retóricas.

Resposta:

Não há clareza nem unanimidade a respeito da definição de tropo. Dá-se aqui a perspectiva de João David Pinto Correia em Falar Melhor, Escrever Melhor (Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, págs. 495-505). Sintetizando propostas que já têm séculos e apropriações mais recentes, Pinto Correia classifica como figuras de expressividade o que tradicionalmente no ensino se designa "figuras de retórica" ou "figuras de estilo"; para ele, existem quatro grandes grupos:

1. Figuras de dicção;

2. Figuras de construção (ou de sintaxe)

3. Figuras de pensamento;

4. Figuras de alteração semântica (tropos).

As figuras de dicção não são relevantes para esta discussão e são equivalentes a processos fonológicos e fonéticos de supressão, adição e substituição de sons de uma língua. Restam os outros três tipos, havendo contraste entre as figuras de construção (ou de sintaxe), por um lado, e as de pensamento e os tropos, por outro. Por se tratar de dois tipos que resultam de processos semânticos, é discutível a separação entre figuras de pensamento e tropos.

Seja como for, Pinto Correia distingue figuras de pensamento de tropos, atribuindo-lhes subconjuntos:

I. Figuras de pensamento: efeitos de estratégia enfática (p. ex., aliteração, apóstrofe, hipálage,1 paráfrase, prosopopeia); efeitos de comparação (p. ex., comparação, paralelo, antítese, quiasmo);  efeitos de intensificação/atenuação (hipérbole, litotes).

II. Tropos ou figuras que se baseiam em quatro figuras ou tropos fundamentais:

a) metáfora: alegoria,

Pergunta:

Ao citar passagens de uma obra poética, quando devo utilizar o texto citado entre aspas incluído em discurso parentético?

Devo por exemplo dizer que Caeiro considera que pensar é «estar doente dos olhos»? Se assim for, quando devo incluir os parênteses e o texto citado dentro de aspas?

Resposta:

Embora no poema original o verso em questão se encontre entre parênteses, não tem sentido mantê-los numa citação como a que a consulente apresenta, uma vez que, descontextualizados, tais parênteses deixaram de se justificar, ou seja, o verso citado passou a constituir informação importante no conjunto da frase em que se insere («Caeiro considera que pensar é "estar doente dos olhos"»). Situação diferente é citar a estrofe em que ocorre o verso parentético, ou seja, a terceira estrofe do poema que começa por «O meu olhar é nítido como um girassol», de O Guardador de Rebanhos; neste contexto, é claro que se conservam os parênteses, por fidelidade ao texto:

«O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...»