Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem do apelido Brazeta?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, põe a hipótese de o apelido/sobrenome Brazeta ter origem italiana, sendo a adaptação de Brazzeta, diminutivo de Brazza. Machado relaciona este nome com a forma latina Brattia. De salientar que os nomes latino e italiano designavam uma ilha do mar Adriático que hoje pertence à Croácia e se chama Brač.

Pergunta:

Gostava imenso que dissessem qual é a postura da Academia das Ciências de Lisboa ante questões polémicas/temas controversos. Os meus alunos espanhóis questionam a existência destas questões havendo uma academia da língua portuguesa. Entendo que eles não queiram ou não tenham tempo de reflectir sobre estes temas.

Poderiam exemplificar isto falando do plural dos substantivos compostos? Se calhar há outro tema mais apropriado para responder à minha dúvida. Fiquem à vontade.

Por falar nisto, como os exames oficiais de língua portuguesa deveriam tratar tais situações?

Desde já agradeço imenso a vossa resposta.

Resposta:

Em relação à Academia das Ciências de Lisboa, só consigo dar conta daquilo que se lê nos respectivos estatutos, disponíveis em http://academiadascienciasdelisboa.freehostia.com/joomla/:

«Artigo 4.º

São finalidades da Academia:

a) Praticar e incentivar a investigação cientifica, sempre que possível e necessário de forma interdisciplinar, e tornar públicos os resultados dessa investigação;

b) Estimular o enriquecimento e o estudo do pensamento, da literatura, da língua e demais formas de cultura nacional;

c) Promover o estudo da história portuguesa e suas relações com a dos outros povos e investigar e publicar as respectivas fontes documentais;

d) Colaborar em actividades de educação e ensino e fomentar a sua difusão e aperfeiçoamento;

e) Elaborar os pareceres que o Governo e outros serviços nacionais lhe solicitarem;

f) Participar no intercâmbio cultural com os países estrangeiros em espírito de aberta cooperação;

g) Contribuir, através da investigação, da extensão cultural e da discussão de ideias, para a valorização do povo português em todos os aspectos.

Artigo 5.º

A Academia é o órgão consultivo do Governo Português em matéria linguística.»

Nos estatutos, pode ainda ler-se no artigo 17.º que as sessões das classes académicas (a Academia tem duas classes, a de Ciência e a de Letras) podem ter por objecto «quaisquer outros assuntos que o presidente da classe, por iniciativa sua, por solicitação do presidente da ...

Pergunta:

Qual a origem da palavra "arraiá", utilizada em festas juninas? Ela tem alguma origem na palavra arraial?

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista arraial com vários significados; entre eles, tem pertinência para esta resposta o de «cenário para festas juninas que imita antigos lugarejos do interior». É, pois, plausível considerar arriá como variante de arraial, dada a semelhança fonética e a identidade semântica destas palavras.

Pergunta:

Qual o significado de «hora de burro»? É uma expressão utilizada em Portugal?

Muito obrigado!

Resposta:

Parece que «hora do burro» significa as horas a meio do dia em que se sente sonolência, quando está calor. É o que consegui apurar de uma página em espanhol, na qual se explica a origem desta expressão:

«Há pouco tempo estive em Maracaibo [capital do estado de Zulia, Venezuela], entre as muitas coisas que fiz no curto espaço de tempo que lá estive, dei um passeio no eléctrico, que faz um percurso por muitos dos sítios mais representativos e turísticos da cidade, como são algumas igrejas, velhos hotéis e casas de pessoas reconhecidas na região, entre elas, "pa que Luis", cervejaria muito conhecida pela "gaita zuliana" [música tradicional de Maracaibo].

Entre as histórias que nos contaram enquanto fazíamos o percurso, está a de «a hora do burro» resultar de antigamente na cidade haver um eléctrico puxado por mulas, que por volta do meio-dia se atiravam ao chão e se negavam a puxá-lo até que passasse pelo menos uma hora e o calor não cedesse um pouco. Por isso, o período que vai das 12 até às 2 da tarde é chamdo "a hora do burro". Não sei se esta história é certa, mas pelo menos é muito curiosa.»1

De qualquer modo, não sei qual é exactamente a origem da expressão: é ibérica, sul-americana, ou tem outra proveniência? Foi formada em espanhol, em português, ou noutra língua?

Em português europeu, julgo que a expressão é rara, para não dizer desconhecida, mas consegui descobrir uma ocorrência num texto em linha (o itálico é meu):

«Interrogo-me — sempre me interroguei! — sobre coisas como estas que, de tão óbvias, só por serem faladas a sós comigo, na penumbra das sestas forçadas (a ouvir ladrar os cã...

Pergunta:

Eu, em princípio, aplaudo a existência de um local na Internet onde sejam discutidos os problemas que se põem aos utilizadores da língua portuguesa. Já quanto à eficácia no que se refere aos meios de comunicação, deixe-me que lhe diga, estou muito, muito, reticente. Ciberdúvidas já conta alguns anos de existência, mas nem por isso se sentiram progressos.

Passo a contar.

Há dias, num canal não oficial, aquando do noticiário, o locutor referiu-se aos tigres de Benguela. [...]. No nosso triste e analfabeto país, onde pululam os oportunistas sem escrúpulos, não admira que o tal locutor, ao (talvez) ver no guião «tigre de Bengala», tenha dito para si: «Eh pá se eu disser tigre de Bengala, toda a maralha vai rir: deixa-me emendar. Aonde já se viu um tigre de bengala? Ih, ih, ih.» E assim passam incólumes os chicos-espertos. Permanece analfabeto o povo, que interessa isso?

 

Resposta:

Acerca do comentário introdutório do consulente, pensamos que um dos progressos é o interesse de quantos nos acompanham. As perguntas, reflexões, achegas e rectificações enviadas são em grande número e parecem-nos mostrar que há muitos falantes preocupados com as coisas da língua. Mas, relativamente ao uso da língua, aceitamos que os lugares-chave não estão ocupados por quem sente ou manifesta tal preocupação.

Seja como for, convém esclarecer que Bengala e Benguela são dois nomes geográficos que frequentemente se confundem por causa da sua semelhança fonética (são palavras parónimas). Bengala é «antiga província da Índia, actualmente dividida entre a República Indiana [...] e o Bangla Desh [...] (Dicionário Lello Prático Ilustrado, 2001); é também o nome de um golfo, «formado pelo oceano Índico, entre a Índia e a Birmânia» (idem). Benguela é província do estado de Angola. Assim, como explica humoristicamente o consulente, os tigres não andam «de bengala» nem podem ser de Benguela. É que este animal só se encontra em zonas da Ásia, como sejam a ilha de Samatra, a gélida Sibéria ou a região de Bengala.